Léo 22/02/2016
Magnífico, genial, histórico
1971, este é o ano em que a história acontece. Em meio as revoltas ocorridas no Brasil e toda a repressão política que envolvia as pessoas naquele tempo da ditadura militar, Afonso, professor de 42 anos conhece na universidade a jovem aluna Haydée, segura e independente, que gostava de contestar as investidas políticas e mostrava-se da esquerda. Afonso era casado com Celina, que também era professora. O casal tinha dois filhos, Nelson e Beatriz, de dez e oito anos, respectivamente. Naquela década, devido aos atos de repressão política que o país vivia, muitos livros eram proibidos em escolas do país pois iam contra as regras da ditadura militar. Haydée envolve-se com Afonso após as suas idas na casa do professor para a leitura de um desses livros proibidos que ela tanto queria. Para sua felicidade, o professor tinha um exemplar em sua casa. Foi então que toda a história começou a se desenrolar...
''Haydée pegou o livro. Estava emocionada pela situação. Iria ler um livro que era proibido. Sentia-se um pouco transgressora mas, ao mesmo tempo, vitoriosa. Estava vencendo a censura. Era emocionante!''
A obra é completa, o autor conseguiu unir diversos assuntos no contexto geral. De início cita-se o seu alto índice de valor histórico. Talvez seja esse o ponto mais importante do livro. Mostrar aos jovens da atualidade o verdadeiro terror dos tempos da ditadura militar no país, como o próprio autor deixa claro em sua dedicatória.
''Este romance é dedicado à juventude brasileira que não viveu o tempo da ditadura, mas que precisa conhecê-lo para não desejar a volta de tempos tão sombrios. Para "transformar o distante em algo próximo, possível e visível".''
O livro de Ricardo Faria relata estes fatos históricos internacionais e nacionais de maneira muito racional e deixa claro a sua vontade em querer transmitir os conhecimentos dos dias sombrios envolto aos estrangeiros e brasileiros na década de 70. Retrata o pavor da população em relação ao AI-5 (Ato Institucional número 5), quinto decreto emitido pelo governo brasileiro. Golpe mais duro na democracia que deu poderes quase absolutos ao regime militar.
Mas enquanto isso, e lá fora, o que acontecia? Guerras, desentendimentos políticos, invasões, assassinatos... Será que o Brasil poderia se tornar um Vietnã? Vestígios das guerras poderiam eclodir por aqui? As personagens, por sinal muito bem elaboradas pelo autor, transmitiram todas as suas dúvidas e medos de forma real durante o romance. A ideia de que um mundo pior pudesse surgir circulava a cabeça de muitos. Os questionamentos sobre a ciência, a fome, a miséria, a política e todas as mudanças possíveis causadas na década, eram comuns. Lembra-se também do abuso de poder, da destruição entre as nações, dos bombardeios e ataques a outros países, pessoas e grupos. Tudo isto é muito bem abordado dentro da obra ''O Amor nos Tempos do AI-5''.
Um ponto que vale a pena frisar é que certamente não seja comum se encontrar em livros de história por aí, uma explicação tão portentosa sobre a Guerra Fria.
''- As guerras, geralmente, são "quentes", no sentido de que um país ou um grupo de países, enfrenta outro, diretamente, invadindo, bombardeando, etc. No caso da Guerra Fria, quem é que está lutando contra quem? Os Estados Unidos e seus aliados, de um lado, contra a União Soviética, de outro. Você sabe muito bem que um não ataca o outro, um não joga bombas no outro (...) Na verdade, se for examinar os arsenais nucleares dessas duas potências, verá que se elas se enfrentarem diretamente o planeta desaparece (...) Pra que fabricam, então? (...) Pra mostrar seu poderio ao outro... tendo as armas, eles evitam o ataque do inimigo.''
Adentrando ao romance da obra, nota-se um alto grau da exposição do sexo. Não demora-se muito para encontrar as primeiras cenas descritas pelo autor. Após o envolvimento da aluna com o professor, e abalados pela repressão autoritária que o pais passava, as personagens parecem lançar no sexo todas as suas ansiedades e desejos desvairados, talvez como um ponto de escape diante da situação que viviam e também para conflitar o autoritarismo apresentado pelo AI-5. O autor relata a ''descoberta'' do relacionamento aberto, que na época, para muitos ainda era uma situação anormal, confusa e inaceitável. Foi a este ponto que os encontros de Haydée com Afonso chegara, pois Celina, a esposa, teve conhecimento e aceitou que o marido continuasse de caso com a amante. Dessa forma, em meio ao grande paradigma institucional da época, Afonso e Haydée quebravam barreiras, afinal, se o autoritarismo existia lá fora, a liberdade existia na cama.
''O sistema político é moralista? Pois quebremos isto, dentro de nossas casas, de motéis ou de hotéis: quebremos essa moralidade da tradicional família mineira.''
As cenas de sexo descritas no livro são perfeitas. O autor foi genial ao descrevê-las. Tais atos se repetem inúmeras vezes no livro e acreditem, todas elas são descritas de forma diferentes, sempre com uma coisinha ou outra variada, isto quando o ato sexual não era mesmo descrito todo de forma nova, diferente. O autor as descreve tão bem que dá até vontade de...
... sair colocando vários desses trechos aqui para vocês. Bobinhos, pensaram em quê, hein? Ricardo Faria exibe, por exemplo, as descobertas da personagem Celina quanto aos outros tipos e posições de sexo ainda não experimentadas por ela, mesmo após anos de casamento.
''- Acho que estou ficando sem-vergonha... Falar nisso, que coisa maravilhosa foi aquela que você fez quando eu comecei a te chupar?- Aquilo é o que chamam de 69. - Hummmm... isso é que é o tal do 69? Minhas amigas vivem falando que fazem... Por que nunca fizemos antes?- Tem pouco tempo que você passou a gostar de sexo oral, esqueceu?- É verdade! Que tempo eu perdi, hein?''
''(...) Tiraram a roupa e se deitaram... ela acariciou o pênis do marido, sentou-se nele e abaixou o corpo, oferecendo seus pequenos seios para os lábios famintos (...) apoiou-se na cama com uma das mãos e cavalgou-o, bem devagar, sem fazer ruído para não acordar os filhos no quarto ao lado.''
Os trechos são primorosos, impecáveis, e nada é forçado, tudo acontece de forma natural diante das personagens. É impossível não recomendar este livro. Agora, após a leitura, sinto que o meu conceito sobre o que é ''um bom livro'' está um pouco modificado.
Mas, muitos devem se perguntar, por que Celina deixou que Afonso a traísse com Haydée? Bom, a partir do momento em que ela toma conhecimento da amante e permite que o marido continue com os encontros amorosos com Haydée, a traição deixa de existir. Talvez em sua mente, a personagem já pensasse em direitos iguais. E se caso aparecesse um amante para ela também? Ela poderia aproveitar da mesma forma que o marido estava aproveitando com a amante, não é mesmo? Bem, mas foi o que aconteceu e também com a aceitação de Afonso...
Em ''O Amor nos Tempos do AI-5'', as personagens esbanjam a independência de pensamentos, que era refletida também em suas ações. O amor ''proibido'' tornava-se, na verdade, a reflexão de toda aquela liberdade de pensamento que o AI-5 buscava prender e moldar. Se tal decreto proibia manifestações populares de caráter político e determinava a censura antecipada para jornais, revistas, livros, músicas, televisão e outros tipos de mídia, não poderia então censurar os pensamentos dos indivíduos representados em ações, mesmo que escondidas.
É apontada a vida sexual diversificada do ser humano. Os pensamentos presos, as novas experiências, sensações, o prazer em dobro. Demonstra o alto grau de desejo sexual que o ser humano pode apresentar retido em si. Mas, e quanto a questão da ausência do ciúme entre o casal? Como responder isso? O narrador deixa claro que a marca de tantas uniões é o egoísmo a dois e por isso ele diz:
''Por que só podemos amar uma pessoa? Não, nós podemos amar mais de uma, fraternal ou eroticamente. A experiência fascinante de ter filhos já lhe demonstrava, sobejamente, que o amor não pode se restringir à pessoa com quem nos casamos. A nossa capacidade de amar é imensa.''
Apesar das transformações que o país sofria, o casal central da história soube educar os filhos de maneira muito adequada transmitindo excelentes valores familiares e sociais. Nelson e Beatriz eram crianças adoráveis e bem-educadas.
As gírias usadas pelas personagens na obra identificaram ainda mais o local e o ano em que se passava o romance. Os diálogos são espetaculares.
Durante a história, há diversos trechos relacionados a música, muitos cantores deixavam claro suas rejeições contra as repressões, mesmo que fossem censurados, e outros preferiam apenas seguir cantando mas refletiam em suas músicas a política que o país vivia na época hippie, como o caso de Chico Buarque e seu LP ''Roda Viva''. Vinícius e Elis Regina também foram citados na obra de Ricardo Faria.
Mesmo com as 544 páginas, o livro não traz ao leitor uma leitura cansativa, ao contrário disso, Ricardo Faria mostrou sua enorme capacidade e talento. A leitura é charmosa, deveras sedutora. Um livro de fácil apelo para ler e reler várias vezes. Quem lê se envolve de maneira fácil com as personagens e a história.
O título do livro é muito sugestivo e representa muito bem todo o conteúdo que o romance abrange. Se em tempos de militarismo e repressão censuram tantas coisas do povo retirando dele a capacidade de expressão e opinião individual, causando ferimentos, represálias e mortes, impedindo-o em muitos momentos de exercer até mesmo o ato de amar, busca-se então o sexo, como forma de resposta. A capa é linda e o livro apresenta 85 capítulos em uma diagramação bonita.
O ato sexual é uma ação normal feita no mundo todo por todo o mundo. É praticado à procura do prazer ou reprodução. No livro, foi tratado de forma assegurada, legítima. Finalizo com um trecho muito inteligente do livro:
''Valores se modificam com o passar do tempo (...) O simples fato de estarmos aqui conversando educadamente sobre esses assuntos mostra como somos diferente de seus pais.''
Quanto ao final do romance, é inteligente e profundo. O livro de Ricardo Faria é genial e além de ser recomendado por mim, o classifico com 5 estrelas pelo fato de ser a classificação limite, pois do contrário, seriam mais. Ricardo Faria merece o nosso prestígio, o cara é fantástico. Parabéns! Finalizo deixando para vocês uma frase que aprendi na obra, CARPE DIEM meus amigos, que significa ''vivam o momento presente meus amigos.''
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