oeudesalves 07/10/2016
O mulato: uma pintura crua do Brasil do XIX
Considerado o pioneiro do movimento naturalista no Brasil, ‘O Mulato’, de Aluísio Azevedo, publicado em 1881, chocou a sociedade da época e provocou uma série de duras críticas ao autor, sendo este obrigado a se mudar do Maranhão para o Rio de Janeiro, onde o seu trabalho foi reconhecido.
A maneira realista com que o romance tratava de temas polêmicos como República e escravidão incomodava os mais conservadores, e ao mesmo tempo estimulava progressistas e liberais a colocarem essas questões em pauta. Uma delas, em especial, percorre todo o enredo e trata da relação entre brancos, negros e mestiços como agentes de uma trama social.
O romance conta a estória de Raimundo, jovem advogado, de posses, filho de um homem branco com uma mulher negra. Parece meio simplista resumir uma personagem apenas por sua linhagem, mas era exatamente assim que se fazia no século XIX, ou seja, os seus pais ou seus avós diziam quem você era. Não importava o seu valor moral, poder econômico e outros atributos, o sangue sempre falava mais alto.
Essa circunstância pinta um cenário difícil para o nosso protagonista, que terá de enfrentar além da falsidade dos que dizem ser amigos, a rejeição da própria família. O ponto alto da trama se dá quando Ana Rosa, sua prima por parte de pai, declara-lhe o seu amor eterno e os dois passam a viver um romance proibido. Aí muitos personagens brilham num papel caricato desenhado pelo autor que os divide em dois blocos: aqueles que representavam o novo tempo e aqueles que eram o próprio passado, antiquado e hipócrita.
Essa é uma característica típica do naturalismo, isto é, a de desenhar tipos completamente justos ou injustos, bons ou maus. Então é bom estar avisado, caso você seja um leitor que – assim como eu – gosta de personagens mais complexos. A crítica à Igreja e à crença popular também é muito forte, enquanto a ciência e o ceticismo são enaltecidos. Por outro lado, os costumes, cenários, vestimentas e até a maneira de falar são descritos de forma belíssima.
Durante todo o livro você acompanha Raimundo em sua busca por desvendar o seu passado e, principalmente, sobre quem era a sua mãe, Domingas, a quem não conhecia. Torce para que ele e Ana Rosa fiquem juntos e que os vilões caiam em sua própria armadilha e dá algumas risadas com o modo de vida provinciano tão bem narrado pelo autor.
Sem dúvida, um clássico que vale a pena ser lido, não só pelo seu valor histórico e cultural, mas também por apresentar questões que – a exemplo do preconceito racial –ainda são atuais, reflexo de um processo histórico do qual homens e mulheres reais fizeram parte como verdadeiros protagonistas.
Quatro estrelas! O que quer dizer “ótimo livro” pra mim, mas não perfeito, neste caso apenas pelo final, que achei muito resumido, quase brusco, apesar de bem montado. Eu já tinha ideia de como a trama ia terminar conhecendo um pouco Aluísio e a corrente naturalista, mas é aquela coisa: não custa nada sonhar com algo um pouquinho mais esperançoso e feliz, certo?