Beto 17/05/2021
Uma aula sobre a "Idade das Trevas"
Sempre fui curioso pela obra de Christopher Dawson, pois sabia que ele abordava as questões históricas a partir de um prisma religioso - sua meta-história, como indicado na introdução do livro - e isso, por si só, já tornaria suas teses diferenciadas. No entanto, o autor conseguiu superar minhas (altas) expectativas em um tratado que é uma verdadeira aula sobre o período que compreende a Idade Média.
Chega a ser curioso que, principalmente durante o período escolar, resumimos uma era que durou 10 séculos como "Idade das Trevas", indicando suas deficiências - como as cruzadas, a inquisição e os problemas feudais - e negligenciando seus inúmeros frutos, os quais serão explorados por Dawson ao longo do livro. É impossível não mudar a visão, ao término da obra, do período medieval como um abismo entre dois cumes históricos (a Antiguidade e a Modernidade).
Dawson passa pela formação inicial do indivíduo cristão, explica os inúmeros conflitos envolvendo as invasões bárbaras com um detalhismo invejável, demonstra como a Igreja foi capaz de resistir e se transformar ao longo dos séculos e também enuncia suas tensões, as quais chegarão ao limite no fim do século XIII, quando há a derrocada para o fim do período - curiosamente, no mesmo período que a unidade cristã vive seu auge.
O capítulo 9 "A Cidade Medieval: Comuna e Guilda" é um dos mais esclarecedores em todo o livro, já que neles veremos inúmeros aspectos do período que são negligenciados no estudo convencional e que demonstram que a Igreja foi responsável pela construção de algumas das bases mais importantes que levarão à diferenciação do Ocidente frente ao Oriente a partir do século XV (para saber mais: "Civilização", Niall Ferguson), tornando-se algo ainda mais claro quando finalizamos o capítulo 10: "A Cidade Medieval: Escola e Universidade". Depois da leitura, não é possível mais falar que a Igreja foi um atraso, que o Renascimento "salvou a história" e que o capitalismo é um fruto único da Reforma Protestante.
Há dois pontos que observo que podem gerar críticas ao livro: sua não-linearidade e o alto nível teórico. O primeiro pode incomodar em alguns momentos, mas não é um empecilho para a compreensão da obra; como o livro é oriundo de um ciclo de palestras, é comum que não seja linear do começo ao fim - o que é bom, já que nesses momentos somos capazes de obter os melhores insights. Já o segundo ponto só incomodará se você quiser ler essa obra como uma fonte de relaxamento; se assim o for, talvez não obtenha a "diversão" necessária, já que Dawson é extremamente técnico apesar de possuir uma linguagem fluída e que não é cansativa em momento algum. Isso, todavia, não impede que qualquer pessoa seja capaz de compreender a maior parte do livro, ainda que um conhecimento prévio da Idade Média seja útil em alguns momentos (nada que uma pesquisa no Google não ajude).
Se você é uma pessoa que gosta da Idade Média e que está disposta a se aprofundar no período, "Criação do Ocidente" é o livro perfeito para iniciar sua jornada. É impossível falar desse período fora da ótica religiosa e nisso Dawson tira nota 10. Um material incrível que é capaz de mudar suas concepções sobre a "Idade das Trevas", ainda mais se elas forem formadas, unicamente, pelo que foi aprendido durante o ensino básico + colegial.