Dr. Geroto 10/04/2017A história não contada que na verdade já foi contada da Bruxa Má do OesteÉ preciso ter coragem para revisitar uma obra clássica, mais ainda se você tem essa obra em boa estima. A coragem vai ser necessária para mudar o que precisa ser mudado e descartar elementos da obra em prol da narrativa que descontar e do desfecho que deseja alcançar, afinal, se é para a história ter o mesmo final, por que reescreve-la? Fables de Bill Willingham fez isso de forma magnifica, Malévola dos estúdios Disney foi competente abandonando elementos e mudando outros, inclusive o final, para chegar onde queria. Infelizmente Gregory Maguire não teve a coragem necessária e Wicked se tornou apenas esperanças e promessas que se desfazem ao longo do livro em uma pasta sem forma ou consistência, um destino igual a sua protagonista na história clássica... e nessa. Nascido para ser uma obra de um único volume ao invés da serie de quatro livros que se tornou, Wicked não pode se valer da defesa de que "as perguntas abertas serão respondidas nos outros livros", porque o autor não esperava responde-las. E como ele tem perguntas abertas! Ignorando coisas básicas sobre por que Elfaba é verde ou por que ela é afetada pela água, até essenciais para a trama como "que diabos era o dragão do tempo?" acompanhamos a vida de Elfaba desde seu nascimento até seu fim (sim, ela morre, você sabe disso, não é spoiler porque é o mesmo final do livro de 1920) pelas mãos de Dorothy com saltos de tempo que, se no inicio parecem fazer sentido, depois tornam tudo uma longa e cansativa viagem esquizofrênica que até poderia ser divertida e aceitável se, a cada página mais próxima do corrido e acelerado final a certeza de que o livro ia acabar exatamente do mesmo jeito que a obra original/filme/desenho/qualquer coisa de Oz não se tornasse mais e mais evidente. E isso, isso foi o maior dos problemas, a falta de coragem de Maguire em mudar o final. Elfaba merecia mais.
A menina nos é apresentada e acompanhamos seu crescimento e amadurecimento por mais de 400 paginas como uma personagem quadridimensional com a profundidade de uma fossa abissal. E se me permitem a piada, sua pele esverdeada poderia ser justificada pelo excesso de espinafres que Marguire joga na personagem. Em literatura espinafres são defeitos e problemas (muitas vezes pessoais) que atrapalham o herói em sua jornada. O contraponto deles são doces E Elfaba tem uma salada de espinafres para cada doce. Complexa, revoltada, ética, ela antagoniza com o Mágico muito antes de encontrá-lo até o momento de seu ápice ao fazer parte da célula revolucionária, um elemento que, infelizmente como tantos outros, é citado, deixado importante mas nunca mostrado, explicado ou explorado (sério, outro momento interessante: o ritual pagão no clube de filosofia! Que diabos é o clube? Para que servia o tigre?) e que some num momento marcante e simbólico que marca não apenas uma mudança de linguagem no livro, mas como de consistência da personagem (para pior). E para explicar ele vou ter de falar dos saltos temporais.
Marguire colocou como projeto que o livro se dividiria em 5 capítulos e esses seriam subdivididos em seções. Cada capitulo aborda Elfaba em uma etapa da sua vida e salta para o outro deixando de lado alguns anos (que Marguire considerou indignos de nota, mas dignos de explicações longas e flashbacks). O primeiro aborda o nascimento e infância de Elfaba e o inicio do rompimento da família dela. É um bom capítulo, e termina de um jeito agourento que te faz querer ler mais. E como funciona como um prólogo para Elfaba o salto temporal dela com 1 ano para menina adolescente entrando na universidade não parece tão deslocado. O próximo capitulo trata de Elfaba adolescente na universidade e conhecemos a pessoa que ela está se tornando. Mas os olhos do leitor são os olhos inicialmente de Glinda e isso me deu as esperanças de que teríamos duas protagonistas fortes, sim, a impressão fica pelo capitulo inteiro e é desmontada nos seguintes. Não me leve a mal, não esperava um Harry Potter da vida, achei a interação entre os alunos mais natural e esse capítulo apresenta os elementos mais curiosos e interessantes como o clube de filosofia, a pesquisa com a essência das coisas, os Animais entre outros. Tudo, no entanto, tudo é abandonado junto com ele. Não ouvimos mais falar de nada disso, nem das pessoas que nos foram apresentadas nele. Ele também termina com um salto temporal da Elfaba adolescente para a jovem adulta revolucionária, a passagem ficou menos natural, mas ainda aceitável. Não vou entrar na forçação de barra sobre Elfaba, Glinda e Nessarose serem escolhidas para se tornarem quem elas acabam se tornando. Ficou artificial e porco.
No próximo capítulo temos a Elfaba mulher, decidida, unida a célula revolucionárias, amante e tudo aprece começar a tomar forma para fazer finalmente a história andar e a rebelião contra o Mágico começar. Sim, tudo está ali, aliados, braço direito a vontade e ... por que o braço direito dela está desistindo? Por que ela está hesitando? Ela desmaiou? O que tá acontecendo? E temos outro salto temporal. Assim, com um monte de perguntas e nenhuma resposta que não vai aparecer em momento algum do livro.
No próximo salto descobrimos que mais de 3 anos se passaram e continuamos tão perdidos quanto a protagonista que agora está indo pro deserto porque... porque não? Esse é o capitulo que eu nomeei como Naruto, porque ele é um longo e gigantesco filler. Nada , absolutamente nada relevante para trama, acontece. Personagens antigos não voltam e somos apresentados e temos que nos importar com uma leva de personagens novos que não tem nenhuma empatia. E quando finalmente, finalmente criamos um laço com alguns deles, yep, salto temporal, 14 anos, todo mundo morto, e Elfaba continua exatamente onde está só que mais velha. Nesse momento, vemos que a consistência da personagem foi para o saco. Eu não sei o que Marguire pretendia com isso, mas Elfaba não consegue ter a mesma personalidade por duas páginas consecutivas. Nesse momento você olha e vê que faltam apenas 20% do livro para ele acabar e deve experimentar a mesma sensação do autor que viu que tinha de terminar aquilo rápido. Então temos outro salto temporal. E tudo acontece, mas incrivelmente nada acontece. Temos um tornado. Temos Dorothy. Morre a Bruxa Má do Leste. Dorothy viaja até o castelo de Elfaba. Elfaba vira uma personagem de sitcon e ao invés de conversar com a menina (atitude que ela mesma defendia por boa parte do livro) resolve sequestrar ela? Matar ela? Conversar com ela? De onde ela tirou que o espantalho era o namorado? Enfim, Marguire corre e termina o livro do jeito que ele originalmente acaba. Perguntas ficam jogadas? Quem é Liir? O que aconteceu com Nor? Quem é o espantalho, que no final era um espantalho? Eo grimório? Por que fazer Elfaba ter acesso a ele, decifrar ele e não usar ele para nada? E principalmente, por que Elfaba teve de comer todo o espinafre e não ganhou nenhum doce?
Elfaba merecia um final melhor. Ela até poderia morrer, mas seu sacrifício deveria abrir o inicio do fim do reinado do Mágico mais diretamente. O Mágico saiu ileso de tudo o que fez. No fim, o que temos foi uma personagem por quem aprendemos a nos importar que fracassou na vida toda.
Discussões rasas e superficiais sobre a natureza do mal a parte e uma tentativa fracassada de desenhar uma descida da personagem para o mal (Elfaba não é maligna ou má. Até o final do livro não havia prejudicado ninguém, mas mesmo assim ficava repetindo isso como se o livro tentasse nos convencer com palavras ao invés de ações) Wicked funciona até a metade, até o fim da fase revolucionária de Elfaba, depois o que temos é uma narrativa que ser perde junto com a protagonista. A ultima tem permissão para se perder, mas o narrador não.
Para Marguire eu só posso encerrar com uma citação da sinopse do arco final de Fables: Essa é uma história que só pode terminar em tragédia – mas contos podem ser reescritos e feitiços podem ser quebrados