Mih 28/03/2020
Na Guerra Tudo é Negro, Só o Sangue Tem Outra Cor
Nome: A Guerra não tem rosto de Mulher
Autora: Svetlana Aleksiévitch
"Tenho pena de quem vai ler este livro, e também de quem não vai ler"
Conhecia através de um amigo, esse me emprestou o livro e de cara quando li a
sinopse achei a ideia de relatar a Segunda Guerra pela narrativa das mulheres que lutou
intrigante.
Não foi uma leitura fácil, muitas vezes tive que parar para conter e secar as lágrimas, os relatos não são fáceis muito menos agradáveis, são de cortar o coração. Foi uma leitura pesada, normalmente leio um ou dois livros por semana, esse eu demorei quase uma quinzena. A maneira que Svetlana Aleksiévitch narra e copila os depoimentos das veteranas de guerra é incrível.
O livro se desenvolve com uma coletânea de relatos de mulheres soviéticas que
lutaram na guerra, relatos colhidos de maneira intimista. Se você assim como eu também não pensar nas mulheres que lutaram na guerra, Leia esse livro, pois é impossível sair dessa leitura sem que sua visão sobre a guerra seja modificada diante dos relatos dessas mulheres.
"Eu me lembro dos sons da guerra. Ao seu redor tudo troveja, retine e treme por causa do fogo… A alma de uma pessoa envelhece durante a guerra. Depois da guerra, nunca mais fui jovem…"
Outro fato que assusta é a idade das jovens, algumas entre 16/17 anos, muitas enfrentavam suas famílias, fugiam de suas casas e imploravam nos centros de alistamentos para combater, pois não conseguiam ficar de braços cruzados sem defender a sua pátria. Sem ao menos imaginar o que as aguardavam, chegavam com seus violões, em seus vestidos com seus cabelos compridos.
"Bem, então chegamos ao front… O comandante, me lembro como se fosse agora, era o coronel Boródkin, ele nos viu e ficou irritado: me impuseram umas mocinhas. Que ciranda feminina é essa? É um corpo de baile! Isso aqui é guerra, não é um bailezinho. Uma guerra terrível… Claro que nos ofendemos: quem ele acha que éramos? Tínhamos vindo para combater. E ele não nos via como soldados, e sim como mocinhas."
Ao chegar ao front eram despidas de seus atributos femininos, cortavam suas longas tranças, recebiam roupas masculinas inclusive as roupas de baixo, roupas muito maior que seu manequim. Botas que as impossibilitavam de marchar normalmente devido ao tamanho, e que causavam vários ferimentos em seus pés. E o que elas perderam foi sua juventude e inocência.
"Naquele dia continuei tirando os feriados e as armas do campo de batalha. Me arrastei até o último, ele estava com o braço destroçado. Pendurado por uns pedacinhos… pelas veia... coberto de sangue… precisava amputar o braço com urgência para fazer o curativo. Não havia outra maneira. Mas eu não tinha nem faca, nem tesoura. A bolsa chacoalhava tanto que elas tinham caído. O que fazer? Cortei aquela carne com os dentes."
Essas mulheres exerciam a mais variadas funções, franco-atiradora, sapadora,
tanquista, enfermeiras, telefonistas, cozinheiras, lavadeiras.
As mulheres lavadeiras e cozinheiras... que não estavam diretamente no campo
de batalha, mas era tão brutal quanto, cozinhavam e lavavam até a exaustão. Muitos
eram os casos de lavadeiras que perdiam unhas de tanto lavar. Mulheres que manuseavam panelas tão pesadas que no fim se tornavam estérea.
As mulheres que agora relatando já se encontra na casa dos 60/70 anos e relembram o que passou, muitas tem dificuldades já que a maioria não tem o costume de contar, ou ate são inibidas de fazer relatos sobre esse período e outras são contra o relato nu e cru que tira a fachada heroica que muitos pintam da guerra.
Svetlana Aleksiévitch sofreu com a censura imposta sobre a sua obra, por ela relatar o período sem o olhar heroico e romantizado que pintam sobre a guerra e a participação de mulheres na guerra, muito pode se observar em filmes que trazem enfermeiras impecáveis que sempre surgia um romance com algum soldado, totalmente distante da realidade.
"O combate terminou à noite. E de manhã caiu uma neve fresca. Sob ela, os mortos… muitos traziam as mãos erguidas para o alto… para o céu… Pergunte para mim: o que é a felicidade? Eu responderei… talvez seja encontrar, entre os mortos, uma pessoa viva…"
Ao fim da guerra para muitas foi tão doloroso quanto a guerra, pois na guerra elas eram chamadas de irmãzinhas pelos seus colegas, eles as defendiam, algumas até viveram histórias de amor. Porem o fim da guerra as reduzido a nada, elas eram xingadas, era vistas como promiscuas ao andar nas ruas. Os homens preferiam mulheres que não havia passado pelo tormento da guerra, alguém que não os lembravam desse período além do mais as mulheres que lutaram era tidas como antinaturais.
"No começo nos escondíamos, não usávamos nem as medalhas. Os homens usavam, as mulheres não. Os homens eram vencedores, heróis, noivos, a guerra era deles; já para nós, olhavam com outros olhos. Era completamente diferente…vou lhe dizer, tomaram a vitória de nós."
Assim como na guerra o regresso não foi gentil com as mulheres que tiveram que aprender a viver com a solidão pós-guerra. Elas foram caladas, muitas não contavam que foram a guerra pelo preconceito que sofriam, sendo assim a guerra foi contada apenas pelo ponto de vista dos homens, os heróis de guerra, enquanto elas mesmo tendo sido condecoradas escondiam suas medalha por sofrem preconceito, e muitas vezes serem humilhadas.
“Eu ainda penso em uma coisa… Escute só. Quanto tempo durou a guerra? Quatro anos. É muito tempo… não me lembro nem dos pássaros, nem das cores. Claro, isso tudo existia, mas não me lembro. É, pois é. Estranho, não? Nela, tudo é negro. Só o sangue tem outra cor, o sangue é vermelho.”
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