Naty 19/05/2024
Um gênio inútil ainda pode ser considerado um gênio?
Sherlock Holmes é um gênio, não há como negar. Mas apesar de destrinchar um mistério como quem desenreda um novelo incolor manchado de crime, existem duas versões no mesmo homem: o brilhante detetive particular e o depressivo inútil.
Veja bem, eu não tenho intenção de ser preconceituosa. A questão é que sou leitora há anos, mas nunca tinha me deparado com um personagem com sintomas bipolares. Particularmente, tenho minha própria batalha com a bipolaridade e sei como é estar extremamente produtivo, e então não mais; estar extremamente triste, e então não mais; ser um exemplo, um modelo, e então me tornar uma concha vazia longe do mar.
Faz um bom tempo que eu não faço o papel da pessoa que todos tentam tirar da cama, que obrigam a escovar os dentes para tentar trazer um pouco de dignidade de volta. Mas eu já me hospedei nesse mesmo hotel, nesse mesmo quarto com vista para o mar. Eu entendo completamente o sentimento.
É irrefutável a percepção de que o crescimento dos movimentos sociais a respeito da saúde mental trouxeram consigo a onda do autodiagnóstico. Uns serzinhos que gostam de dizer que tem isso ou aquilo por ser ?cool? após um vídeo de segundos do TikTok. A cada dia se soma à crença que com certas doenças o indivíduo é digno o suficiente para eu almejar ter aquilo, mas por mais campanhas que se façam em setembro, um depressivo é só um inútil.
Matt Haig disse essa semana no seu Instagram que pessoas são de boa com doenças mentais até alguém demonstrar os sintomas de uma, e eu concordo: a cada dia que passa realizo mais que a saúde mental é subestimada quando você a tem e colocada sob uma lupa quando você não tem.
Já ouvi alguns absurdos quando estava na pior, mas graças a minha rede de apoio eu superei tudo mesmo cheirando mal e de cabelo ensebado.
O que quero dizer com tudo isso, é que fiquei impressionada e feliz quando percebi que a genialidade se sobrepõe à condição da doença do detetive. Quando se fala em Sherlock, não se cita a bipolaridade, e sim o talento em investigação. Ser chamado de Sherlock (salvo em ocasiões do meme) é motivo de orgulho, e isso é incomum com pessoas que carregam uma dor psíquica como a nossa.
Infelizmente, o senso de identificação não foi o suficiente para me fazer gostar do livro como a maioria.
Durante a leitura, houveram falhas do Arthur na hora de conectar o mistério em si com a solução do mistério. Era confuso e difícil de acompanhar. Além de que muitas coisas pareciam sem fundamento, colocadas na história somente para alimentar a narrativa e, após servido seu propósito, descartadas sem mais nem menos. Por exemplo, um cão doente, nunca citado até aquele momento, que desapareceu assim que cumpriu o seu papel.
Quanto aos personagens, não tenho reclamações além das já citadas.
No geral, a leitura me enriqueceu com informações interessantes sobre a formação da cidade de Utah, sobre crimes antigos e processos de investigação criminal de outra década. Gostei de ser representada, mas me frustrei um pouco por um clássico ter tantos furos.