Mari 09/01/2010
Elegia – Pablo Neruda
Pablo Neruda (1904-1973) foi um grande poeta chileno, e uma das mais altas vozes poéticas do nosso tempo, misturando com maestria consciência política, lirismo e domínio de linguagem.
Em 1971, Neruda e sua esposa viajam a Moscou à procura de opções de tratamento para o câncer do qual o poeta sofria. Durante essa viagem foram escritos os poemas que comporiam “Elegia”, livro publicado, postumamente, em 1974. Moscou (palco dos sonhos revolucionários do poeta), os amigos ausentes (mortos ou desaparecidos) e os rumos deturpados da revolução de 1917 são os temas fundamentais do livro. Sempre com ares de esperança.
Em diversos poemas, o poeta expressa sua contrariedade quanto ao regime stalinista. No poema VI, há crítica ao culto à personalidade:
“[...]
Mas o falso realismo
condenou suas estátuas ao silêncio
enquanto abomináveis, bigodudas
estátuas, prateadas e douradas,
se implantavam entre plantas e jardins.
[...]”
Ainda nessa linha de pensamento, tratando mais especificamente do mau uso do poder e da vaidade de governantes, Neruda escreve o belíssimo poema XXIV, utilizando, ao final, a tradicional figura poética da rosa como socialismo:
“Como à retidão de tua doutrina
subiram estas curvas de serpente
até que medo e crimes se aninharam
e toda claridade foi exterminada?
Ficaram ainda sementes da dor!
Tempo maldito, enterra-te em seu túmulo!
Que nunca mais a terra deixe entrar
a matéria de deuses ou demônios
no coração dos governadores:
que não se mostre o céu individual
ou o caprichoso inferno solitário;
pune-o com a pedra do Partido,
pica-o com a abelha coletiva,
quebra o espelho, corta-lhe a soga,
para que no jardim triunfe a rosa.”
No poema XV, o poeta lamenta os rumos da revolução, mostrando profundo pesar pelo esquecimento do belo, da liberdade, da arte, do lirismo, dos sentimentos, em prol do puro progresso material e do trabalho, além de demonstrar a dor pelos amigos ausentes:
“Sei, bem sei, com mortos não se fizeram
muros, nem máquinas, nem padarias;
talvez seja assim, sem dúvida, mas
minha alma não se nutre de edifícios,
não recebo saúde das usinas,
nem tampouco tristeza.
[...]
Onde está o sorriso
ou a pintura comunicativa,
ou a palavra que ensina,
ou o riso, o riso,
a clara gargalhada
daqueles que perdi por essas ruas,
por estes tempos, por estas regiões
onde me detive e eles continuaram
até que terminassem suas viagens?”
Neruda trata, no poema IX, da transformação da Rússia monarquista para a Rússia socialista utilizando as figuras de dois importantes escritores russos – Pushkin (representando o antigo regime monarquista) e Maiakóvski (representando a revolução) – em estátuas nas ruas, onde os “pássaros” mudam seus ninhos.
“As pombas foram visitar Pushkin
e bicaram sua melancolia:
a estátua de bronze cinza faia com as pombas
com paciência de bronze:
os pássaros modernos
não o entendem,
é outro agora o idioma
dos pássaros
que transferem seus ninhos
de Pushkin a Maiakóvski.
[...]”
No poema VII, Neruda mostra sua fascinação pela cidade de Moscou, bem como demonstra a beleza da vida real em si mesma, confrontando-a com artifícios poéticos comuns:
“[...]
oh cidade do milagre
que agrega vida a todas as vidas
e cresce como selva rápida,
como aparição coletiva,
porque é verdade que são mais belos
o teto, a parede e a fechadura
que o arco-íris de sete cores
onde ninguém pode viver.”
Belíssima obra, com todo o lirismo engajado e o grande domínio das mais incríveis figuras poéticas que fazem de Neruda poeta eterno.