Marcel Koury 30/01/2017
É no mínimo interessante observar o quê e como os escritores leem. E mais ainda: como escrevem sobre suas leituras. Em sua versão original, "O Leitor Comum" foi publicado em dois volumes (o primeiro em 1925 e o segundo em 1932), reunindo vinte e um ensaios da autora — a edição da Graphia traz uma versão condensada, com catorze dos textos originais, selecionados e magistralmente traduzidos por Luciana Viégas.
A coletânea aborda temas diversos, que vão desde divagações sobre o Teatro elisabetano até inquietações sobre a ficção nas primeiras décadas do Século XX — em todos os textos, percebem-se as mesmas elegância e intensidade presentes na obra ficcional da autora.
Deixando claro, desde o início, sua perspectiva — o de uma leitora "amadora", que não se pretende uma crítica literária —, Woolf se vê à vontade para evitar jargões teóricos e trilhar livremente os caminhos de sua própria imaginação. Situada, portanto, entre dois lugares que aparentemente se opõem (o da solidão e o da comunicação), a leitora que se aventura na escrita de suas leituras assume um espaço movediço, e é nele que se senta para escrever — embora a clareza e a firmeza de sua escrita deem a impressão de que se trata de certezas, é a dúvida que move todo o livro. Dúvida que se assume, por exemplo, na passagem em que a autora divaga sobre os romances que talvez Jane Austen tivesse escrito se não tivesse morrido tão cedo, aos 41 anos; ou no olhar ainda inseguro que lança sobre "Ulysses" (1922), de James Joyce, cuja publicação em fragmentos na revista estadunidense "The Little Review" ela acompanha em primeira mão (o ensaio é escrito em abril de 1919); ou ainda na incerteza sobre a possibilidade de os escritores e leitores ingleses realmente entenderem o que é a Literatura russa (em especial, Dostoiévski e Tchékhov), que eles tanto reverenciam e que de algum modo influencia a ficção inglesa, sobretudo pela sondagem dos "espaços escuros da psicologia".
Por fim, ao articular, em seus ensaios, dados da vida e da obra dos autores selecionados, não se rendendo nem a biografismos e nem a análises puramente textuais, Woolf consegue manter-se nessa corda bamba sobre a qual caminha com a mesma leveza com que percorre as trilhas da ficção — quem sabe também nós, leitores, devêssemos escolher esse mesmo lugar fronteiriço para daí nos lançarmos à deleitosa leitura de "O Leitor Comum".