Lorena.Mireia 06/10/2023
Desafiador e brilhante
Dante Alighieri é, simultaneamente, o autor, o narrador e o personagem central de sua prodigiosa obra.
Sua viagem pelo mundo dos mortos como ser vivente começa pelo inóspito, soturno e torturante Inferno. Antes de adentrar inteiramente neste lugar, é revelado um anexo menos cruel denominado Limbo, onde estão personagens da Antiguidade Clássica, os quais não foram agraciados com o batismo, dentre os quais destacam-se Sócrates, Platão, Aristóteles, Homero, Ovídio, e o seu guia de viagem Virgílio, o autor de Eneida. Escrutinando os nove círculos sombrios pautados nos pecados de incontinência ou arrogância, violência, fraude e traição, a dupla esbarra com diversos sujeitos, alguns contemporâneos de Dante; outros, vividos em épocas remotas. Cada alma condenada eternamente lida com severas e inusitadas punições decorrentes de sua vida pecaminosa, como por exemplo: ataques de serpentes, chuva de chispas de fogo e giros contínuos com ferimentos de espada. Dentre essas almas miseráveis, há uma profusão de autoridades religiosas que apregoavam o bem, porém praticavam o mal de modo furtivo.
O destino intermediário é o Purgatório, onde se encontram as almas que se arrependeram tardiamente de seus erros. Neste local, eles também cumprem suas penas ? não tão atrozes quanto as do Inferno ? durante um tempo que pode ser abreviado se os viventes na terra intercederem em orações pelas almas penitentes.
Após uma longa jornada com Virgílio, Dante, enfim, tem o encontro com sua amada Beatriz, quem o conduz no Paraíso apresentando os nove círculos angélicos e outros patamares acima, de elevado grau de Santidade. Em tal incursão, Beatriz lhe mostra os beatos que adoram a Deus com cânticos ininterruptos e os anjos envoltos pelo fulgor da Luz Divina. Além disso, também vimos o vivente Dante dialogando com os discípulos Pedro, Tiago e João.
O título que tem a palavra Comédia nada tem a ver com o gênero literário, visto que o emprego deste termo usado é para designar um poema que começa de uma forma penosa e termina em indizível felicidade. O poema é estruturado no sistema de ?terza rima?, o qual consiste em tercetos que o primeiro verso rima com o terceiro, e o segundo rima com o primeiro e o terceiro da estrofe seguinte.
Ao vivenciar a experiência de ler A Divina Comédia, fiquei impressionada com tamanha genialidade de Dante ao conceber uma obra tão prodigiosamente rica em alusões históricas, políticas, bíblicas, religiosas, cosmológicas e filosóficas, acrescida de eventos corriqueiros na cidade de Florença, com a proeza de encaixar tudo isso perfeitamente em versos métricos, rimados e, vezes por outra, imbuídos de críticas sociais. Sem dúvidas, um dos homens mais sagazes da história da humanidade.
Ademais, vale também fazer menção ao belíssimo trabalho de tradução de Ítalo Eugenio Mauro, o qual merecidamente recebeu o Prêmio Jabuti de Tradução em 2000, aos 90 anos de idade. Além da tradução, Ítalo também acrescentou os resumos e notas que auxiliam bastante na compreensão da leitura.
É claro que compreender inteiramente o colossal poema é uma tarefa dificílima, quiçá restrita apenas aos grandes intelectuais, porém a edição da Editora 34 apresenta um trabalho muito satisfatório de tornar a obra mais acessível ao público de leitores comuns, do qual faço parte.