Felipe Duco 26/02/2018
É realmente uma crítica ou apenas o retrato cru da nossa época?
Tive meu primeiro contato com o autor em “Divórcio” e fiquei muito impactado, depois peguei pra ler “Cobertor de Estrelas” e a decepção foi grande, não encontrei o mesmo estilo e nem uma história desafiadora ou original (depois soube que se tratava do romance de estreia dele, amenizou um pouco a barra do Lísias pra mim, mas não salvou o livro da fogueira não). Agora com “A Vista Particular” nossos laços de amor literário foram devidamente reestabelecidos. Que livro impressionante, divertido (não chega a ser engraçado, mas é bem divertido sim) inteligente e peculiar.
O livro tem a mesma escrita forte que corre numa linha tênue entre realidade e ficção, assim como em “Divorcio”, que nos leva a certo ponto da leitura a pesquisar na internet se realmente aquela história não existiu mesmo de tão tangível que ela é.
A grande maioria das situações beira o absurdo, mas em nenhum momento são improváveis de acontecer. Toda aquela loucura é totalmente possível, caso chegássemos a ter uma série de eventos muito próxima do que aconteceu no livro.
Uma coisa muito divertida de acompanhar é a liberdade que Ricardo Lísias tem pra escrever “A Vista Particular”, falando sobre matérias na Folha de São Paulo, entrevistas na TV Globo, citando ativistas de Facebook, o uso das hashtags, visualizações no Youtube, patrocínios do Santander... Isso tudo nos deixa numa proximidade inexplicável e nos situa com firmeza no ambiente de um livro que se passa no Brasil, em 2016.
Boa parte de tudo o que Ricardo Lísias quer passar só será aproveitada se o leitor tiver um conhecimento básico de fatos políticos, econômicos, sociais e culturais nacionais recentes. Pra entender umas reviravoltas (sobretudo o final) e o grande mote da história tem que saber o que se passou nos noticiários do Brasil (tanto os sérios quanto os sensacionalistas) nos últimos 5 anos pelo menos. E o mais legal disso tudo é que se você não tem essa bagagem, com certeza, durante a leitura você vai querer saber sobre o que tá sendo dito. E realmente ter conhecimento sobre essas manchetes polêmicas que são abordadas com ironia em forma de arte faz a gente ver a história de um jeito mais pesado, porém necessário.
Antes de fazer essa resenha aqui tava dando umas voltas pela internet pra ver o que estavam falando sobre esse romance e vi muita gente comentando das críticas sociais que Ricardo Lísias faz, mas fico um pouco incomodado com essa definição. Estamos falando um livro moderno, realista e adulto, que vai abordar arte contemporânea e pra isso usa o Rio de Janeiro como pano de fundo e a vida de personagens de carne e osso pra compor a história. E me parece um pouco óbvio que no meio desse percurso, com esses ingredientes todos, vai haver problemáticas urbanas, humanas e sociais. Como você pode retratar o Rio de Janeiro sem abordar a violência? Como falar de classe média alta brasileira sem se valer de hipocrisia?
É realmente uma crítica ou apenas o retrato cru da nossa época?
Difícil dizer com certeza, mas embora as situações e os personagens criados por Ricardo Lísias sejam tidos como peças de uma crítica social batida, não acredito que essa tenha sido a verdadeira intenção do escritor. Ou sim?