spoiler visualizarluizfelipedds 29/12/2020
A imortalidade através da arte
O período de isolamento social me fez ter a coragem de encarar o Em Busca do Tempo Perdido, em todos os seus sete volumes, que eu demorei 6 meses pra finalizar. Como todo bom clássico, obviamente a obra não se esgotou nesse primeiro contato, muito pelo contrário, eu cheguei ao final sentindo que perdi muita coisa e que futuramente vou querer revisitá-la. Eu também me arrependo um pouco de ter lido "rápido", mas eu estava muito curioso. Sobre o conteúdo dos livros, desde o início eu estranhei muito o fato de que tinha pouquíssima ação, mas mesmo assim eu não conseguia largar. Não é muito o meu estilo ler algo tão voltado à subjetividade, mas eu estava hipnotizado pelas imensas descrições do autor. O primeiro volume, especialmente a parte de Combray, é talvez a coisa mais bonita que eu já li na vida. Inclusive, ao finalizar o sétimo volume, eu revisitei o capítulo referente à Combray, e é aí que está uma das genialidades do romance de Proust em seu caráter cíclico, pois as lembranças expostas no início se dão no quarto do Narrador na casa da Sra. Saint-Loup, em Tansoville, ou seja, Gilberte. Desse modo, observa-se a ligação direta entre o início e o final, já que o livro que o leitor acabou de ler, é o livro que o Narrador decide escrever no final. A admiração do Narrador pelo Swann sempre foi para mim um prenúncio do que seria a vida amorosa dele, já que, aparentemente, Charles é uma das suas principais referências masculinas, e o amor dele com Odette constrói a visão do Narrador nesse sentido. Ainda assim, não foi fácil ler todas as memórias dele referente à Albertine, especialmente a partir do insight que ele tem de que ela pode ser "gomorreana". "A prisioneira" foi o volume mais chato de ler, pois o Narrador desdenhava muito a Albertine (muito mais do que Swann desdenhava Odette), mas, ao mesmo tempo, mantinha ela na rédea curta, fazendo altas chantagens emocionais. É muito triste perceber que, com a morte dela, a vida amorosa dele meio que se anula, aí vem os internamentos no sanatório, a guerra e o que o leitor percebe é que nesse aspecto da vida o Narrador foi muito infeliz. Outro ponto interessante da obra é o descompasso existente entre as expectativas do Narrador e a realidade dos fatos, impossível não se identificar em alguns momentos, tirando (no meu caso) a parte dos amores idealizados. A galeria de personagens interessantíssimos é grande, mas os que eu mais gostei foram Swann (inclusive queria uma reflexão maior do Narrador em cima da morte dele), Charlus, Odette, Oriane e Sra. Verdurin, a patroa hahahaha. Por fim, os rompantes de memória involuntária do Narrador, obtidos através de sensações, e que leva ele a recuperar o tempo perdido, meio que me influenciaram, pois em diversas ocasiões durante a obra eu me peguei lembrando de coisas muito específicas e aparentemente bobas sobre a minha vida. No mais, fica a minha admiração pela escrita desse homem, pela capacidade descritiva, e pelo árduo trabalho (até a morte) de transformação do tempo perdido em arte, que foi o meio que ele encontrou pra se tornar imortal.