Henrique Fendrich 14/04/2017
A crônica ideológica de Gregório Duvivier
“Crônica não tem nada a ver com opinião, não tem nada a ver com dados e porcentagens, não tem nada a ver com tentar convencer ninguém de nada. Quando a crônica faz isso, corre o sério risco de virar um artigo” (Fabrício Corsaletti)
A citação é do próprio Gregorio Duvivier, amigo de Corsaletti, e parece revelar bem a diferença que existe no estilo dos dois cronistas. Isto é, Gregorio até confessa que “raramente” faz crônica, no sentido que Corsaletti entende o gênero, diz até que “queria fazer mais”, mas ainda é como “crônica” que as suas coletâneas são vendidas. A orelha da mais recente delas, “Caviar é uma ova” (Companhia das Letras, 2016), tenta se livrar desse problema filiando o estilo dos textos de Gregorio a uma suposta categoria chamada “crônica política”, que englobaria textos como os de Machado de Assis e Carlos Heitor Cony.
De fato, Gregorio não dedica o seu texto aos passarinhos que porventura pousam em seu parapeito. O seu texto, geralmente, está profundamente vinculado à realidade política do país. Mas, ao contrário de Machado de Assis, que escrevia crônicas “políticas” com tal ironia que, ao final, o leitor se perguntava de que lado ele realmente estava, Gregorio deixa claras as suas preferências ideológicas. A sua ironia tem endereço certo e é sempre identificada pelo leitor. E a auto-ironia, tão típica do gênero, parece estar ali, sobretudo, para mostrar que ele é humano como nós e por isso talvez o seu discurso faça mais sentido.
Afinal, é preciso que faça sentido, pois Gregorio quer convencer o leitor. O resultado é que, como previsto por Corsaletti, com muita frequência a crônica de Gregorio se assemelha a um artigo, sendo a crônica responsável apenas pelo ar engraçadinho do texto. É verdade que o seu texto é bastante revelador dos assuntos e das tendências em voga na sociedade, sobretudo nesses tempos de redes sociais, e que ele de fato pode ser visto como um cronista “do seu tempo”, mas isso teve como pena diminuir a dimensão literária daquilo que escreve. Parece que nesta seleção ele já não está mais tão inventivo quanto esteve em seu primeiro livro de crônicas, apesar de algumas experimentações (há crônicas de uma frase só).
E Gregorio é realmente bastante criativo, algumas piadas com que salpica as suas crônicas são realmente muito boas, mas elas não conseguem sustentar um texto que é predominantemente ideológico. Também é curioso que, nessa defesa de posições, ele às vezes tenha que se ver à volta com divergências entre as pessoas com que teoricamente concordaria. É o risco de quem opina bastante, mais cedo ou mais tarde irão aparecer as diferenças . A um espírito mais independente, é possível que a reclamação de Gregorio de que há certezas demais no Brasil pudesse abranger também as suas crônicas. E pode ser bem difícil que, dessa maneira, ele consiga convencer alguém que já não estivesse previamente convencido.
Poderia ser o caso de que, mesmo essencialmente política e opinativa, a crônica de Gregorio se inscrevesse na extraordinária tradição de um Nelson Rodrigues. Mas isso só seria possível com um estilo marcadamente forte e envolvente. Em Gregorio, a opinião ainda parece pesar mais do que o estilo.
Às vezes, no entanto, Gregorio também se cansa de falar em política e, em termos de crônica, é quando ele se sai melhor. Tem um fetiche especial por palavras, seus usos e significados, o que pode render bons textos. Gosta de falar também dos parentes, dos amigos, da ex-mulher e, nesses instantes, ele chega quase a ser lírico. Mas é certo que, se fossem apenas esses os textos, o seu sucesso seria bem menor.
site: http://rubem.wordpress.com