Antonio Luciano 30/11/2011
As Fábulas em Monteiro Lobato
O livro Fábulas de Monteiro Lobato é uma compilação das histórias de La Fontaine e Esopo, reescrita à sua maneira, dando um tom brasileiro para a obra. Outro ponto interessante é a sua estrutura, os contos são narrados por Dona Benta e comentados por seus netos, pela boneca Emília e demais personagens logo em seguida.
Nesta obra, há uma compreensão indireta sobre o estilo de vida do escritor. Monteiro Lobato passou uma vida turbulenta em vários níveis culturais, políticos e administrativos. Lançou à campanha “O petróleo é nosso” que resultou em sua prisão no governo de Getúlio Vargas. Criticou rigorosamente a Semana de Arte Moderna, principalmente, a pintora Anita Malfatti no seu artigo “Paranóia ou Mistificação?”. Enfrentou uma grande luta para tornar o livro como produto popular, procurando por vários meios que dispunha, negociando com comerciantes ou tratando de espalhar os livros no máximo de regiões que podia.
Monteiro Lobato demonstra neste livro Fábulas uma visão bem peculiar da sua visão de mundo, selecionando contos que demonstrem o quanto o mundo pode ser injusto e como ele só é comandado e regido pela força. Mostra que o único meio de sobrepujar e enfrentar as injustiças é lançando uso de esperteza, para de alguma forma torna o mundo um pouco justo.
A obra em si não é uma história linear, podendo ser lido em qualquer ordem, o que traz de novidade é que cada fábula contada é seguida pelos comentários das crianças que a escutaram, neste ponto vemos a opinião de Lobato por meio da boneca de pano Emília. As crianças contestam a moral de algumas fábulas, a maneira como terminam ou apóiam de forma concisa, tudo bastante espontâneo, sem meias palavras.
Há na obra duas fábulas que não pertencem ao autor francês, La Fontaine, ou ao grego, Esopo, que foram histórias criadas pelo próprio Monteiro como a história O cavalo e as mutucas, trazendo em sua narratividade um coloquialismo e escrita informal simples, mas sem desrespeitar a inteligência dos jovens leitores. Existe nas histórias uma camada de abrasileiramento, tornando a leitura bem fluida.
A temática de o mundo ser comandado pelos fortes e que a razão não vale nada diante dela, não é a única explorada, pois Monteiro vai explorando o cotidiano por meio do maravilhoso, que consiste em histórias de animais falando com homens ou outros seres. Os animais têm comportamento humano, tendo os aspectos éticos demonstrados ou situações que confrontamos ao longo da vida.
Um exemplo que demonstra sobre o sofrimento no mundo A morte e o lenhador, no qual um velho lenhador reclama do sofrimento da vida e pede insistentemente que a Morte fosse buscá-lo, ela vem, mas ele muda abruptamente de idéia e diz que só a chamou apenas para ajudá-lo a carregar madeira. Nos comentários das crianças, vemos uma recepção diferente da idéia que a fábula traz com a sua moral. Emília e os demais não vêem a morte como um acontecimento tenebroso, mas como algo necessário, para acabar com a vida de maneira piedosa. Pedrinho faz citação de um filme, Horas roubadas ao justificar que prefere a morte americana. Ele descreve a cena em que a Morte aparece como um homem elegante para o velho, este não aceita de início, mas muda de idéia, e a Morte o leva tranquilamente.
A cigarra e a formiga é outra história que demonstra como o artista é tratado pelo mundo através de duas versões, sendo uma versão com a formiga boa e a outra versão com a formiga má. A boneca Emília levanta argumentando que a fábula está errada, pois as formigas são os animais mais solidários do mundo e que todos os animais, no geral, falam. Isso gera uma pequena discução entre Emília e dona Benta, esta consegue conciliar as idéias da boneca com as suas.
Essas pequenas discuções encontram-se ao longo do livro, sendo nada sério e bastante divertido. As crianças feitas por Monteiro não seguem uma regra, são espontâneas e naturais, fazendo o pequeno leitor se identificar com esses personagens. Sendo um dos pontos altos da obra pela sua naturalidade, além do maravilhoso que está impregnado as páginas.
Uma fábula em particular deste livro pode ter inspirado o escritor para criar uma das aventuras mais fantásticas do Sítio do Picapau Amarelo que seria a Reforma da Natureza. Na fábula O reformador do mundo um homem reclama da maneira que a Natureza era toda errada, dizendo que se fosse ele faria algo muito melhor e organizado. Acontece que ele dorme debaixo de uma pitombeira, caindo uma pitomba na sua cabeça. Isso leva o homem a repensar, se fosse uma jaca no lugar da pitomba, ele estaria morto e resolve não querer reformar a natureza. A Emília discorda de maneira veermente, aí já percebemos a idéia do autor para um próximo livro.
Outros pontos interessantes dessas histórias são as constantes referências das aventuras de Emília, Pedrinho, Narizinho e Visconde por outras paragens, como o mundo das fábulas, sendo comentada por eles no conto A menina do leite.
Uma das fábulas de destaque que é retomada na última fábula a Liga das nações, O lobo e o cordeiro, no qual um lobo discute com um cordeiro dizendo que ele está sujando a sua água de beber. O cordeiro usa todos os argumentos convincentes que não estava poluindo a água do lobo, o leitor percebe quem tem razão é o cordeiro, mas o lobo não liga e devora o animal de qualquer forma.
Na Liga das nações ocorre algo parecido, a onça reuniu o gato-do-mato, a jaguatirica e a irara para caçarem juntas, pois assim nenhuma presa teria chance de escapar e nenhum deles passaria mais fome. Quando conseguem o primeiro sucesso em conjunto, a onça faz a divisão das carnes, mas fica atribuindo todos os pedaços para ela justificando a divisão pelas suas qualidades. Os demais felídeos ficam revoltados e querem que a divisão seja feita de maneira justa. A onça concorda, separa uma carne e coloca a pata em cima dela e desafia os demais a tomar esse pedaço de suas garras, todos os três fogem e nunca mais entram em um grupo onde tenha a onça dentro.
Neste ponto final do livro, Monteiro Lobato realça e mostra a sua opinião em relação ao mundo ser regido somente por aqueles que são detentores do poder, e por mais que os fracos tenham razão e estejam corretos, os poderosos os esmagam à revelia dos seus interesses. A única forma dos fracos poderem vencer os fortes é usando da astúcia e esperteza.
A maneira que o livro termina chama atenção por mostrar essa situação, que fica bem firmado nas palavras de Emília, deixando no final a dona Benta pensativa, sobre a fábula O lobo e o cordeiro serem a história matriz de todas as fábulas neste seguinte trecho:
“-Seria a fábula planeta, com todas as outras fábulas g do Lobo e o Cordeiro girando em redor do sol que nem irando em redor dela que nem satélites- concluiu Emília dando pinote.
Dona Benta calou-se, pensativa (Fábulas, Monteiro Lobato, página 58)
Essa obra que reuni as histórias de La Fontaine e de Esopo recontadas por Monteiro Lobato merecem uma especial atenção de como se relacionar o livro com as crianças, que cultive e provoque reflexões.