João Ks 13/01/2019
Os Pastores da Noite - Jorge Amado.
Para se encantar com a Bahia e sua gente sequer é preciso lá ter nascido ou para lá viajado. Basta tomar posse das narrativas de Jorge Amado, inteirando-se da natureza e da matéria humana que colorem o universo baiano.
E "Os Pastores da Noite" cumpre bem esta missão, permitindo ao leitor desfrutar das idiossincrasias que caracterizam o povo baiano segundo a visão do autor, sem prejuízo dos elementos universais presentes na trama.
"Os Pastores da Noite" é uma bela figura de linguagem (se bem romantizada, é verdade) que designa o grupo de amigos de hábitos notívagos que preenchem a vida das ruas, ladeiras, becos e bares da cidade baiana. Entre eles estão o Negro Massu, o Cabo Martim, o Pé-de-Vento, o Jesuíno Galo Doido, o Cravo na Lapela e Curió. Todos boêmios inveterados, dados ao carteado, aos amores fáceis e à boa cachaça, porém avessos ao trabalho. Levam a vida plenamente livres, desgarrados das convenções sociais, sobrevivendo à base da amizade, reinventando-se a cada novo dia.
A obra é dividida em três causos, os quais estão interligados pelos mesmo personagens e enredados na mesma atmosfera, mas que podem, em alguma medida, ser lidos separadamente. Trata-se das histórias do Casamento do Cabo Martim, do Compadre de Ogum e da Invasão do Morro do Mata Gato.
A história do Casamento do Cabo Martim conta o escândalo provocado na gente da Bahia ao tomar conhecimento de boatos segundo os quais o Cabo Martim, sumido há dois meses da roda de amigos, teria se enrabichado lá pelas bandas de Maragogipe Pior ainda, teria casado e ficado cego pela mulata Marialva. Fato difícil de engolir, pois Cabo Martim não era dado a se prender a xodós, e era figura indispensável nas rodas de amigos e nos cabarés da cidade, sendo inaceitável sua perda para o sacramento do matrimônio. Alguns personagens, céticos, não acreditam nos rumores e aguardam a volta de Cabo Martim para desmentir a situação. A questão se desenrola cheia de graça, tendo razão ao final a caftina Tibéria, para quem Cabo Martim não se prestava mesmo ao matrimônio.
Em "O Compadre de Ogum", o orixá Ogum se manifesta por meio da mãe-de-santa Doninha, oferecendo-se como padrinho de batizado do filho do Negro Massu. O batizado ocorre na Igreja do Rosário dos Negros, onde elementos do catolicismo e do candomblé são divertidamente colocados em cena para o espanto do padre Gomes. A história é também uma aula sobre a religiosidade do candomblé, com seus orixás e rituais sagrados.
Por fim, encerra a obra a história da "Invasão do Morro do Mata Gato", quando Pé-de-Vento levanta o primeiro barraco nos terrenos baldios do Mato Gato, iniciando assim todo um movimento de ocupação daquelas terras. Daí decorre uma convulsão social em torno das terras ocupadas, gerando a mobilização favorável ou contrária das autoridades políticas, que se desdobram para solucionar o impasse. Nessa altura, a sordidez do mundo político é escancarada por Jorge Amado, que, num tom burlesco, narra os objetivos escusos que movem as autoridades no enfrentamento daquela sensível questão social (a ocupação das terras pela gente miserável da Bahia).
Boas leituras!