Wellington V. 30/03/2010
"Uma testemunha gráfica registrando a vida, a morte..."
EISNER, Will. Um contrato com Deus e outras histórias de cortiço. Trad. Marquito Maia. São Paulo: Devir, 2007. 199 p.
Por que ler? Vou dizer por que:
-- Professor Wellington, quando é que o o senhor vai passar aqueles slides para a gente, sobre Histórias em Quadrinhos?
-- Talvez eu não passe slides, mas utilize um retroprojetor. É mais antigo, sabemos, mas (também) tem lá a sua graça... Farei isso logo mais.
-- Tudo bem. E vamos ver que histórias?
-- Bem, será um apanhado geral, Luiz. Veremos coisas antigas -- Yellow Kid, ou O Garoto Amarelo, de Richard Fenton Outcault, o cara que inseriu os balões nos quadrinhos. Quero muito que vocês também vejam os Katzenjammer Kids, conhecidos no Brasil como "Os Sobrinhos do Capitão". (Isso me lembra o "título" de "Os Sobrinhos do Dr. Akron", o qual eu atribuia a mim e a um ex-amigo, então meu "fiel escudeiro" "Didi" -- Salve, "Ceará". Deus o ilumine, onde estiver!) Não sei se a gente verá o Homem-Aranha e alguns dos grandes momentos de sua vida (e carreira), mas garanto que apresentar-vos-ei sua origem e a perda de seu tio Ben Parker. Sobre essa perda, eu digo que ela representa um momento crucial na vida do personagem e, ademais, curiosamente, nos faz pensar naquela velha questão da "não-casualidade da vida": se Peter Parker tivesse impedido o marginal quando este passava correndo pelos estúdios da TV, provavelmente o vagabundo não teria assassinado o seu tio Ben. Mas aí é que entra aquele pensamento muito comum a certas religiões: nada é por acaso... Outra coisa: não realizarei essa primeira (primeiríssima) parte de nossas aulas sobre HQs sem citar -- e mostrar -- Watchmen, pra mim, um marco na história da HQ. Falarei sobre o roteiro do "bruxo" (e depois eu explico o porquê do apelido) Alan Moore e a arte do excepcional David Gibbons.
-- Professor, e aquele livro que o senhor taaanto disse ter aguardado... Como é mesmo o nome? "Não sei o que de Deus"...
-- Sim, sim, Luiz. "Um contrato com Deus e outras histórias de cortiço", de Will Eisner. De acordo com o supracitado Moore, o "bruxo", Eisner foi o responsável por dar inteligência aos quadrinhos. Dono de um estilo simplista (não encontro termo mais adequado no momento), porém objetivo, Eisner parecia fazer o que eu chamo de "casamento da arte com a vida", em algumas folhas de papel. E -- olha só, isso é sério -- esse casamento sempre deu certo -- pelo menos no caso desse autor.
-- Nossa, professor! "Caraaaca, véééio!!!" Tô doido pra ver os desenhos dele.
-- Sim, Luiz, semana que vem. Na segunda-feira, eu acho. Só mais uma coisinha:
-- Pois não, professor.
-- Ontem, indo para São Paulo buscar fotocópias de alguns documentos meus as quais ficaram num pólo de uma importante universidade particular de São Paulo, descendo do trem, eu comecei a reparar bem (e) mais nas ruas do lugar e nas pessoas que por lá passavam e, de uma forma ou de outra, "pertenciam" ao lugar. Notei os camelôs dividindo as calçadas com os pedestes, mulheres nordestinas vendendo roupas, entregando papéis (panfletos), etc e tal. Mais perto do prédio onde eu precisei chegar, vi um (descendente de) japonês vendendo ovos -- na calçada! Estranho, né? Pensei: "Nossa! Que mundo doido! Isso aqui daria um roteiro louquíssimo para a minha primeira HQ. A qual, segundo o "Professor A", a julgar pelo enredo que lhe informei de forma brevíssima, parecia ser interesante. (O "Professor A" é Doutor pela USP. Universidade que eu frequento às terças-feiras, onde sou ouvinte na disciplina de "O Semi-simbolismo. Tópicos de Semiótica Visual". E meu professor é um dos melhores que já tive.) Já li a primeira história do livro que foi um presente, uma doação feita para mim. A história dá título ao livro -- "Um contrato com Deus". Mas antes li o prefácio. Texto esse que é perfeitamente condizente com as quatro histórias ao longo de suas 196 páginas -- sem contar com as outras duas (últimas páginas) que compõem a biografia do autor. Eisner escreveu um prefácio tão sólido que fica difícil você não se interessar por ler o livro inteiro. E querer juntar uma graninha -- pode pensar em uns R$ 200,00 , investimento seguro, se você for estudante ou professor de arte, pessoa interessada nos aspectos diversos de linguagem, semioticista, desenhista, fã de quadrinhos, apaixonado por arte, etc. e tal. Eisner legou ao mundo dos quadrinhos uma obra substancial, densa -- a despeito da brevidade das (suas) histórias (em quarinhos). Por falar nisso, citemos a brevidade da vida, de nossas vidas, de tudo o que vive. Do amor. De tudo. -- e digna de alguém que provou ser possível passar por dores horríveis -- perdas irreparáveis -- dessa nossa vida sob o sol (e a chuva -- risos). E, apoiado pela união do cérebro (inteligência, destreza, conhecimento, experiência, razão) e coração (emoção, sentimentos), receber elogios sinceros de desenhistas que vieram depois dele. Não só isso: gente que, um pouco abaixo dele, faz das HQs verdadeiras obras de arte. No sentido mais amplo do termo. Antes de terminar essa minha explicação geral, quero citar o que Eisner disse sobre si mesmo no prefácio de "Um contrato com Deus": "(...) Se quiser, pode me chamar de uma testemunha gráfica registrando a vida, a morte, o sofrimento e a luta incessante em triunfar... ou, pelo menos, em sobreviver." (EISNER, 2007, p. 7)
-- Caraca, véio!
(Terminada essa expressão que marca a fala do aluno, o professor abaixa a cabeça. Ao levantá-la, a sala, em peso, bate palmas. Então ele diz:)
-- Palmas para Eisner. E para vocês. Todos.