@garotadeleituras 25/12/2016
Os vencedores vencidos
Os Mais, considerado a obra prima de Eça de Queiroz, assim como um clássico e marco da literatura portuguesa, foi escrita num período de dez longos anos. Publicada originalmente em 1888, o enredo passa-se em Lisboa, no outono de 1875. Compreende a estória de três gerações de uma família tradicional portuguesa, os Maias, centrando-se na última, que conta o envolvimento amoroso entre Carlos Eduardo Maia e Maria Eduarda.
Conhecemos Afonso Maia e o famoso Ramalhete, nobre e rico, é o patriarca mais velho; outrora casara-se com Maria Eduarda Runa e deste, resultou seu único filho - Pedro Maia, com a, uma criação religiosa e protegido pela mãe, acabou adquirindo um caráter considerado fraco. Na idade adulta o herdeiro dos Maias, contra a vontade do pai, acaba-se casando com Maria Monforte, filha de um antigo negreiro, com quem tem dois filhos - uma menina e um menino. Entretanto, a união fadada ao trágico, se concretiza quando a esposa acaba por deixar o esposo e o filho Carlos Eduardo, por Tancredo, um príncipe italiano, levando consigo a filha mais nova, e posteriormente, consideradas mortas, depois de longas investigações.
Carlos Eduardo Maia, entregue então aos cuidados do avô, após o suicídio do pai, que teve como causa a desilusão amorosa do matrimônio, é educado de forma rígida, distante de princípios religiosos e protetores, considerado uma fraqueza de caráter pelo velho Afonso. Mais tarde, acaba-se por estudar Medicina em Coimbra, diferentemente da sua classe social, onde a burguesia encontrava no direito a máxima nobreza da profissão. De volta ao ramalhete, já formado e na companhia do avó, Carlos abre um consultório, mas que por sua boa aparência e status, não arraiga clientela suficiente para mantê-lo ocupado. Assim, o neto do maia envolve-se em vários projetos grandiosos, sempre inacabados e fracassados, mesmo com todas as condicionantes de sucesso, sendo a influência do meio, representado pela burguesia de Lisboa o fator responsabilizado por tal.
O romance fica por conta das aventuras de Carlos. Inicialmente envolvido com a condessa de Gouverinho, e posteriormente trocada pela bela Maria Eduarda, esta, conhecida como mulher do brasileiro Castro Gomes. Não contarei mais para não revelar os detalhes mais impactantes da estória.
Ao retratar a rotina dos personagens, Eça permite ao leitor, através de Carlos e dos amigos, descortinar a decadência moral e social portuguesa do final do século XIX. O escritor de forma bem sátira utiliza seres caricatos na narrativa como forma de expor as mazelas: o excêntrico João da Ega (melhor personagem coadjuvante) que apesar de possuir conhecimento, arraiga hábitos dissolutos, pensamentos retrógados ou distantes da realidade; o artista sem talento como o poeta Alencar aplaudido pelos amigos e o novo rico na pessoa do Dâmaso Salcede, que influenciado pelas culturas estrangeiras, como a francesa e a inglesa, consideradas “o top” da época assinala a perda de identidade nacional, na busca do que “é chique”. Temos ainda o Euzebiozinho, o maestro Cruges, o político mesquinho e ignorante representado pelo conde Gouverinho, o jornalista corrupto na figura do Palmas, entre muitos outros. O atraso na civilização fica por conta da incapacidade em organizar eventos como uma corrida de cavalos descente por não ter um hipódromo à altura, as pessoas que se vestem inadequadamente e sempre de luto, a falta de argumentos plausíveis em defender o regime da monarquia ou a república e etc...
“- Tudo isso é nojento!... No fim talvez até se entendam ambos. Estou como tu dizias aqui há tempos: Caiu-me a alma a uma latrina, preciso um banho por dentro!” Ega murmurou melancolicamente: - Essa necessidade de banhos morais está-se tornando, com efeito, tão frequente... Devia haver na cidade um estabelecimento para eles. (p.379)
Em os Maias, Eça utiliza a critica pelos hábitos decadentes e repetitivos da sociedade que não estimulavam o crescimento intelectual, assinalando a necessidade de reformular o ensino; expõe como defeito a religiosidade exacerbada e a imitação das práticas de sociedades consideradas superiores. Evidencia comportamentos maléficos como o adultério, incesto e ideais políticos dúbios; O próprio nome da residência – Ramalhete – que supunha algo fresco era na verdade um casarão antigo, severo, de aspecto tristonho, para onde os personagens, acabam por voltar e rememorar sua vida. A própria retrospectiva de Carlos, após dez anos longe, volta ao Ramalhete, mostra como tornou-se um vencedor vencido e como terminam todos esses homens que poderiam ter contribuído com grandes revoluções para reerguer a sociedade, mas que tornaram-se apenas mais pessoas comuns, alcoólatras, doentes, velhos dissolutos, sem grandes feitos na vida.
Ega ergueu-se, atirou um gesto desolado: - Falhamos na vida menino!
- Creio que sim... Mas todo mundo mais ou menos falha. Isto é, falha-se sempre na realidade aquela vida que se planeou com a imaginação. Diz-se: “vou ser assim porque a beleza está em ser assim.” E nunca se é assim, é-se invariavelmente “assado”, como dizia o pobre marquês. Às vezes melhor, mas sempre diferente. (p. 549)
Sobre a experiência de ler os maias, foi a leitura mais demorada de 2016. A primeira parte é lenta, na maioria das vezes, maçante e tediosa. Até a página 128, dificilmente conseguia passar a página sem a vontade largar o livro. Decidida a finalizar essa estória e com esperanças que melhorasse impus-me o desafio então de renegar esses sentimentos, e pode ter certeza, tudo melhora, e muito! Quando Eça começa a descortinar as ruínas, interligar fatos e pessoas é quase impossível largar o livro. Portanto, se você estiver lendo algum dia essa resenha em busca de incentivo, não desista, que livro, que livro! Como escrevi em um dos meus comentários sobre o livro: se tivesse largado nas primeiras 100 páginas, provavelmente teria dado um dois pela narrativa, mas como acreditava que grandes coisas estavam ainda por vir, classifiquei como um cinco porque é impossível terminar “Os Maias” e não ficar impactado com o talento do grande Eça, pela capacidade em ultrapassar o tempo com suas máximas sobre o ser humano e o social.
“Num país em que a ocupação geral é estar doente, o maior serviço patriótico é, incontestavelmente, saber curar.” (Os Maias; Eça de Queiroz)