Paulo 06/09/2019
Maika Halfblood possui um ser poderoso escondido em seu interior. Um ser quase divino. E este ser tem fome. Para poder se libertar do ataque da Cumaea e da Corte do Crepúsculo, Maika precisou despertar este ser que devorou tudo o que viu pelo caminho. Para conter a fome deste ser ancestral, Maika precisou sacrificar seu braço direito. Agora que este ser está desperto, a protagonista precisa encontrar algum meio de se livrar desta criatura. E suas únicas pistas são os relatos e os companheiros de sua mãe, alguém que ela não desejaria ver por ora. Somos levados à Thyria, uma cidade livre e portuária governada pela Imperatriz das Ondas e suas Rainhas Sangrentas. Uma cidade longe do poderio da Cumaea e suas bruxas e, onde o perigo se encontra por toda a parte. Ao visitar a casa de sua mãe em Thyria ela descobre que suas respostas estão em uma estranha ilha cercada por uma névoa mística. Ela vai procurar a figura de Seizi, alguém que conhecia sua mãe. O homem-tigre possui uma frota de navios que funcionam para o mercado negro. Vai ser através deste contato que a protagonista vai em busca de respostas.
Logo de cara percebemos que a criatura que habita o interior de Maika parece não ter memória de sua vida como um todo. Ele sabe que é um ser ancestral e que precisa se alimentar com frequência. E que precisa do corpo de Maika. Não temos mais informações do que isso até o momento. Vamos descobrir muita coisa sobre este ao longo deste segundo volume até que ao final saberemos mais ou menos o suficiente para entendermos suas motivações. Sua relação com Maika é horrível e ele faz o que bem entende. Entendemos alguns de seus poderes e motivações. Nesse ponto, é curioso ver como a criação de monstros terríveis em Monstress segue uma lógica bem lovecraftiana. Para quem quer conhecer seres parecidos com os Abissais do autor, sigam a leitura.
O interesse por Maika começa a aumentar à medida em que seres de poder e de influência percebem sua presença. O segredo de sua existência desaparece por causa do temperamento da personagem que a coloca em situações perigosas. Ela ser uma meio-sangue a coloca em um status de ser uma pária entre os humanos e entre os arcânicos. Ambos a enxergam como um erro da natureza. E sua maldição não ajuda a diminuir essa relação ruim. Ao mesmo tempo, conhecemos a tia de Maika, uma poderosa espadachim da Corte da Aurora a quem Ren questiona porque a personagem não foi atrás. No seio da personagem existe uma vontade intrínseca de não se aliar a ninguém. Isso a mantém fora dos jogos de poder entre os diversos reinos. Obviamente que vemos no final deste segundo volume que isso não será possível por muito tempo.
Este segundo volume é um pouco inferior ao primeiro muito porque grande parte das ideias malucas da Liu foram apresentadas no anterior. Aqui, a roteirista precisava pisar no freio de forma a trabalhar melhor os personagens e o mundo que cerca Maika. Isso foi importante para mostrar o quanto a personagem é importante ou destruidora dependendo de que grupo estamos falando. Por exemplo, vemos os poetas (os gatos místicos, nekomancers) dos quais Jadala Bonetail faz parte; para eles Maika precisa ser destruída junto com o ser que habita seu interior. Vimos no volume passado como Ren foi capaz de abandonar e vender Maika para a Corte do Crepúsculo. Ou como a Espada do Leste (que descobrimos ser a tia da personagem) não sabia que Moriko, mãe de Maika, havia dado luz a uma filha. Ou seja, a Corte da Aurora parece ter planos para a personagem não muito claros a princípio. E no final, vemos outro grupo surgindo que parece ter algum tipo de relação com a máscara na posse da protagonista. Em termos narrativos, o mundo cresceu bastante.
A raposa Kippa parece funcionar como uma espécie de consciência para a protagonista. E isso suaviza algumas de suas decisões. Mesmo a pequena raposa sendo colocada em situações onde sua vida corre sério risco. A doçura de Kippa é que reduz a selvageria e a raiva de Maika. A descoberta posterior dela serve para aumentar ainda mais sua indignação quanto à sua própria existência. A gente acredita que esta relação com Kippa será definitiva nos volumes que se seguem. Já Ren parece ter se conformado com uma postura neutra, por ora, muito mais por causa de Kippa do que pela própria Maika. Esse estranho grupo parece finalmente estar construindo laços uns com os outros. Laços esses de amizade e confiança, apesar de eu concordar com a capitã do navio que a espadachim vai. Esta diz a Kippa que Maika se preocupa muito mais consigo mesma do que com a raposa... Ainda teremos que ver o quanto ela se importa com aqueles que a cercam.
A arte da Sana Takeda continua incrível. Monstress é uma das HQs mais bonitas no mercado atualmente ao lado de Saga, desenhado pela incomparável Fiona Staples. A diferença é que a palheta de cores e o direcionamento das imagens é completamente oposto. Enquanto Fiona busca construir amplos espaços repletos de cor e vida, mostrando a intimidade do casal protagonista, Sana aposta nas cores mais escuras, tentando criar um espírito de solidão e melancolia ao redor de Maika. Algumas cenas reforçam esta intenção como a névoa repleta de espíritos próxima à ilha dos ossos ou o interior do convés do navio quando Maika tem sonhos ruins.
O design de personagens é algo de outro mundo. A capacidade que a Sana tem de detalhá-los é algo que eu vi muito pouco em HQs. E ela produz em uma velocidade incrível. Ela consegue nos apresentar personagens incríveis como Seiji (um homem-tigre vestido como um almirante), a Raposa de Sangue (um ser ancestral no formato de uma sábia raposa), a capitã do navio (uma mulher negra com um corte de cabelo estiloso e muitos acessórios), uma das Rainhas de Sangue (uma sereia com traços élficos absolutamente bela e mortal). É um quadrinho muito atrativo aos olhos e que consegue prender o leitor até o final.
A ação é bem representada e a desenhista consegue entregar cenas bem violentas quando necessário. Sana tem também um bom tino para sequências que envolvem muitos acontecimentos simultaneamente. Não há momentos confusos e tudo é bem claro para o leitor. Claro que o traço belo dela se mescla ao roteiro nem sempre simples de Marjorie Liu. Talvez essa seja a fonte da maior parte das críticas feitas a Monstress. Isso porque Liu tem uma pegada muito literária para os quadrinhos. E ela não se arroga de construir um mundo dinâmico e complexo onde o leitor vai precisar se esforçar um pouco para compreender tudo o que acontece. Eu gosto, mas nem todos curtem.
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