Stella F.. 31/07/2019
Tragédia inacreditável!
São impressionante os relatos orais coletados pela autora! Fiquei muito curiosa para ler esse livro porque não lembrava de nada dos fatos, apesar de já ser adulta na época da tragédia, principalmente após assistir à série espetacular "Chernobyl" da HBO.
As entrevistas foram coletadas em todos os tipos de classes sociais e com todos os tipos de envolvimento com a tragédia: moradores locais, cientistas, pessoas do governo, mulheres dos bombeiros, liquidadores, Uma das coisas que mais achei impressionante nos relatos foi a repetição de obediência à pátria. Falam do homem soviético, que obedece, não questiona e acredita, ou quer muito acreditar no que falam para ele. Mas depois tudo mudou e passou a ser cada um por si. O governo foi omisso, mas acho que não tinha muita ideia do que fazer. Não acreditavam que aquilo pudesse estar acontecendo e não podiam mostrar fraqueza ao mundo ocidental. Como não conseguem responder a pergunta de por quê isso aconteceu, é claro que houve negligência dos envolvidos e uma busca por poder, resolvem acusar o ocidente de conspiração, de sabotagem. Retardaram o início de providências mais efetivas, achando que não havia esse perigo todo, que tudo iria se resolver com o tempo. Essa usina de Tchernóbil era do bem, não era uma bomba nuclear de guerra, como as de Hiroshima e Nagasaki.
As pessoas que viveram a tragédia e até as que não viveram, tem algo muito importante para contar, mas muitas vezes preferem esquecer. Depois de 10 anos e muitas perdas, esse relato coletado pela autora as faz reviver tudo de novo. E o assombroso é que não se tem uma ideia de até quando os efeitos dessa radiação (do bem) vai influenciar as pessoas da região e do mundo. As doenças que acometeram às pessoas foram horríveis e apesar de saberem, principalmente os voluntários, os liquidadores, se sentiam obrigados a cumprir o que pediam. Os testemunhos são pungentes, tristes, impressionantes e depois do acontecimento tudo ruiu na grande potência. Recomendo fortemente!
Cito alguns trechos:
"Mas isso é também a imagem da barbárie, essa falta de medo pela própria vida. Nós sempre falamos "nós" e não "eu": nós mostraremos o heroísmo soviético, nós revelaremos o caráter soviético para o mundo todo! Essa sou eu! Mas não quero morrer. Tenho medo."
"Eu compreendi, não imediatamente, mas depois de alguns anos, que todos nós participamos...de um crime...."
"Lembro que discutíamos sobre o destino da cultura russa, sobre a sua inclinação para o trágico. Sem a sombra da morte, não se podia entender nada. Só sobre a base da cultura russa seria possível entender a catástrofe."
"Tchernóbil fez surgir o sentimento novo e incomum de que cada um de nós tem a sua própria vida; até então isso parecia desnecessário."
"Estávamos habituados a acreditar."
Enfim, são muitos relatos impressionantes e necessários.