Mandy Nunes 28/11/2017
Vampiros Sanguinários!
"— Eu só quero que entenda uma coisa. A gente
não escolhe o que acontecerá conosco. Mas escolhe o que faremos com o que aconteceu. Se você precisa de sangue para viver, que seja."
O ano é 1560. Que cenário mais ideal para a história de um vampiro se não entre o final da Idade Média e o início da Idade Moderna, onde a Igreja ainda tinha influência política e religiosa e queimava pessoas na fogueira em plena praça pública?
Com esse cenário, então, Marcio Zanini nos apresenta o seu livro Crônicas de Markus. Inicialmente, somos apresentados ao padre Ruben, que viaja com sua sobrinha e sua cunhada viúva até um pequeno vilarejo em “algum lugar entre a Inglaterra e a Dinamarca”, onde o padre será o novo pároco. Contudo… essa família tem um pequeno segredo e suas intenções no vilarejo não são tão altruístas quanto Coves — uma espécie de prefeito — pensa.
"Tinha que aceitar o que a vida lhe trazia sem reclamar. Pecadores por pecadores, ele agora era um deles. Irônico que no fim estava dependendo de pessoas que tanto praguejou para sobreviver."
Liliana é a jovem filha de Rosa. É extremamente tímida e recatada, muito por temor ao padre, que se mostra muito rígido quando o assunto é sua sobrinha. Apesar dessa rigidez, e a contragosto, o padre aceita que a moça trabalhe em uma taberna à noite, sendo convencido que o dinheiro recebido poderá ajudá-los em sua estadia no vilarejo.
E é nessa taberna que a jovem conhece Markus, um homem másculo e encantador, com um passado desconhecido, que desperta nela sentimentos que sempre achou ser proibido para ela. Em contrapartida, ele vê em Liliana a oportunidade de ser feliz outra vez.
Às escondidas do padre e contrariando todo o bom senso, os dois começam a ter encontros noturnos, após o expediente da moça na taberna de Dóris, embora os encontros sejam inofensivos se olharmos com um olhar do século XXI; mas não para àquela época. Liliana também reluta um pouco em se envolver com o homem por conta de um terrível segredo que sua família carrega. Markus a assegura que nada poderia abalá-lo e, em uma atitude súbita, decidem que irão ficar juntos, mas antes, Liliana precisa cumprir uma última tarefa.
É então Markus descobre sobre o segredo que a família da moça carrega da pior forma possível e, de repente, ele se vê em uma nova condição de vida, sedento por sangue e sozinho no mundo.
"— Meu desejo não se baseia somente no que sua vida tem de belo. Se há problemas, eles me parecem tão atraentes que me assustam. Quero-a por completo"
Logo, Markus conhece Armando, um homem que, apesar da fortuna, enfrenta uma batalha interior, não podendo aceitar sua condição humana, passando a maior parte do tempo trancafiado no quarto, amedrontado que as pessoas descubram o que ele realmente é. Contudo, ao encontrar Markus perdido nos arredores da sua propriedade e ao tomar conhecimento do seu vampirismo e dos sentimentos conflitantes que o homem enfrenta, ele se identifica, de alguma maneira, com Markus: um homem que não consegue lidar nem aceitar ser quem é.
Assim, Armando resolve ajudá-lo, sem medo ou repulsa pelo vampirismo de Markus; pelo contrário, até sente uma atração por isso. É claro que, como vampiro inexperiente, sem um igual para guiá-lo, Markus vai trilhar um caminho diferente daquele que se propôs, traçando até para Armando um novo destino.
Em contrapartida, em outro lugar, Hill é um guerreiro experiente que está treinando o pequeno Thomas para se tornar um caçador de vampiros. O treinamento é intenso e rigoroso e o jovem menino muitas vezes é posto cara a cara com um dos demônios chupadores de sangue. O treinamento dura muitos anos, mas, durante um tempo, Thomas parece não ter muito progresso, e isso pode desonrar seu treinador.
Porém, as inúmeras vezes em que fora submetido às mordidas dolorosas faz com que o rapaz crie uma raiva descomunal que lhe dá forças o suficiente para enfrentar os demônios noturnos.
"(...) a ideia de ter bebido sangue era nojenta, mas o gosto era maravilhoso (...)"
Considerações pessoais
Crônicas de Markus é um livro fácil de ler por dois motivos: primeiro, a narrativa do autor é fluída e rápida, sem muitos preenchimentos e detalhamentos em excesso, mas tudo o que o autor nos apresenta é satisfatório. Segundo, a narrativa te prende porque o autor soube conduzi-la, soltando as informações necessárias pouco a pouco, conquistando a atenção do leitor e o instigando a continuar a leitura. A trama traz um leve mistério e pitadas eróticas na medida certa e eu gostei do modo como foi trabalhada as emoções do protagonista depois de sua transformação, já que ele passa a viver um conflito interno.
O personagem Armando me chamou muita atenção também, foi um personagem muito bem trabalhado, muito importante para o desenvolver da história, e sua posição estava muito coerente dentro da trama para a época em que ela é passada.
Outro ponto que achei muito interessante foi a construção tanto dos personagens como do cenário sobre os caçadores de vampiros. O Marcio trabalhou muito bem na construção dessa parte da história, dando realmente uma pitada de realidade, o que me agradou bastante.
Do livro, eu posso ressaltar apenas três pontos negativos. O primeiro são alguns errinhos de gramática e ortografia bem óbvios que qualquer revisor perceberia (como, vírgulas no vocativo, por exemplo. Me deparei com a falta dela em muitas partes. E ressalto, não somente no livro do Marcio, mas em todos os livros que li nessa Maratona da Xeque-Matte tem erros óbvios como esse.) Segundo, foi que percebi que em certos pontos o autor não manteve o tempo verbal (um mal que, como escritora já sofri hahaha), mas não é nada que atrapalhe a fluência da leitura, apenas dá uma estranheza quando o tempo verbal narrado não continua e muda para outro.
O terceiro e último ponto, não sei se chega a ser algo negativo, mas os personagens têm nomes comumente usados no Brasil quando a história se passa na Europa. Não é bem algo que atrapalhe a história, mas também me deu essa estranheza, da mesma forma que me daria se a história fosse ambientada no Brasil e todos os personagens tivesse nomes estrangeiros.
De todo resto, o livro é perfeito, diagramação linda, material gráfico bom e a fonte é confortável para a leitura.
O autor pegou um tema bem comum que é o vampirismo e trabalhou uma história que pra mim foi bem original. Indico a leitura e espero ansiosamente pelo segundo livro pra saber o que vai acontecer.