@fabio_entre.livros 15/03/2024
Machado romântico
Se a genialidade de Machado de Assis pode ser comprovada de maneira irrefutável através das obras-primas realistas, essa mesma genialidade já é perceptível em seus romances "menores", onde sutileza e versatilidade dão o tom em narrativas que exploram diferentes facetas do amor romântico. As quatro obras da chamada fase romântica machadiana estão reunidos aqui em ordem cronológica de publicação, e isto permite que acompanhemos a evolução do autor e as experimentações que ele faz no romance, até então território novo para ele.
O que se nota em primeiro plano nesses romances iniciais (com exceção de "Helena") é a preocupação maior de Machado em desenvolver seus personagens, sobretudo as protagonistas femininas, construindo perfis similares aos de José de Alencar na trilogia "Senhora-Lucíola-Diva". Contudo, uma diferença crucial entre os autores é que Machado opta por um estilo mais sóbrio na narrativa, com ação minimalista, o que pode dar a impressão de que pouca coisa "acontece" nessas histórias.
O primeiro romance, "Ressurreição", eu já adianto que foi o meu preferido. Aqui é possível vislumbrar uma sementinha de "Dom Casmurro": a história trata basicamente de um casal frustrado em suas ilusões românticas do passado, mas o maior obstáculo à realização amorosa deles no presente é o caráter inseguro e ciumento do protagonista.
"A mão e a luva" apresenta um verdadeiro quadrado amoroso: a bela Guiomar é alvo do interesse de três homens e precisa escolher um deles para marido. Entretanto, mais que o amor propriamente, ela deve decidir o que vale mais a pena: sua ambição por ascensão social ou a gratidão. Das heroínas desses romances iniciais, Guiomar é certamente a mais complexa.
"Helena", por sua vez, parece ser uma resposta de Machado à recepção morna da crítica a "A mão e a luva", que apontava a falta de ação e emoção na trama. Com "Helena" ele deixa de lado o cuidado com a complexidade dos heróis e entrega um típico folhetim romântico com direito a um amor proibido, segredos de família, um vilão ambicioso, reviravoltas mirabolantes e muitas, muitas lágrimas. Não é de admirar que este livro tenha sido adaptado para telenovela duas vezes: puro suco de novela das seis.
Em "Iaiá Garcia", por fim, o autor procura conciliar o tom folhetinesco de Helena com a já trabalhada análise psicológica de suas protagonistas. A trama acompanha um amor infeliz que, devido à diferença de status social e de caráter do casal, é impedido de se concretizar: ele é então enviado para a guerra (do Paraguai) e ela se casa com outro. Anos mais tarde, quando se reencontram, uma nova personagem se une aos destinos deles e dá origem a um inesperado e doloroso triângulo amoroso.
Dito isto, sobra alguma dúvida acerca da validade da leitura?
Justamente, foi o que pensei.