Rodolfo Vilar 21/03/2023
?"'A estrutura, quer dizer, a estrutura', ele repetia e abria a mão branquíssima ao esboçar o gesto redondo. Eu ficando olhando seu gesto impreciso porque uma bolha de sabão é mesmo imprecisa, nem sólida nem líquida, nem realidade e nem sonho. Película e oco. 'A estrutura da bolha de sabão, compreende?' Não compreendia."?
.
? Como sempre Lygia cirúrgica, precisa, que brinca com o leitor e sua curiosidade, sempre nos deixando no "e o que mais?", mas o "e o que mais" está lá, contido no texto, ou se não, a nossa própria mente como leitor completará essa lacuna. Mas também Lygia brinca com memórias, com a relação entre os personagens, com histórias que podem até ser fatídicas e que por isso mesmo se tornam mais assustadoras. Em "A estrutura da bolha de sabão" Lygia repete a sua genialidade na construção de seus contos, mas agora com um toque mais político, contendo pensamentos e falas que refletem sobre a sociedade da sua época (ao falar sobre o papel da mulher, racismo, hierarquia) mas que até hoje ainda refletem em nosso momento e que por isso mesmo se tornam importantes de serem discutidos.
.
? Quero destacar os seguintes contos: "O Espartilho", que mostra essa relação entre avó e neta, onde ambas vivem um cotidiano de quem domina quem, mas também a vivência da juventude que floresce; "A fuga", sobre um menino com asma que ao mesmo tempo vivencia um sentimento de prisão, lapso e visão de mundo diferente; e "A confissão de Leontina" que é o melhor de todos os textos que já li da Lygia até o momento e que conta sobre a vida dessa mulher que tenta ter uma vida melhor mas acaba sendo presa por uma situação x que não esperava.
,
? Todos os textos são permeados por essa sensação de vida superficial, somente a casca, essa "estrutura", que assim como a estrutura da bolha de sabão que pode ser visível mas que a qualquer momento pode estourar e voltar ao nada. Lemos sobre personagens que enxergam a vida com dúvida, com medo ou com incredulidade, fazendo com que nós leitores também nos questione sobre essa vida e sobre aqueles que fazem parte desse ciclo. Ler Lygia Fagundes Telles e mergulhar nas nossas próprias contemplações. Recomendo.