FellipeFFCardoso 18/03/2024
O autor, quando escolhe sobre o que narrar, tem autonomia e consciência (de si mesmo, enquanto sujeito, e também daquilo que sua escolha representa) e as usa como poder, o que garante a liberdade de sua escolha e reafirma a existência (sua e do sujeito narrado). A marginalidade retratada por Genet, neste livro, ratifica sua posição histórica, ética e estética.
Genet repele, à sua época, padrões morais e sociais para, de certa forma, reafirmá-los, pois tudo é uma questão de escala nas estruturas sociais: enquanto olha para o contexto geral, sua narrativa leva o leitor a enfrentar a miséria da condição seu narrador (humana) e, à medida que o faz, nos traz sua marginalidade sociopolítica, dando-nos dimensão da miséria de sua posição (ladrão).
Ainda que o tempo e a geografia mantenham essa marginalidade limitada ao contexto, o livro de Genet não deixa de nos apresentar um caminho que ele mesmo percorreu para reapropriar de si mesmo e de sua história diante das normalizações que a própria estrutura social propõe como forma de redenção. Nem autor, nem seu narrador querem ser salvos, porque não há necessidade.
No entanto, como a história nos apresenta, esse processo é difícil pois os mecanismos que usa para tal reapropriação são fornecidos pela mesma cultura que impôs sua negação, como a linguagem, as estruturas sociais, a ética. Para o autor, a traição, o roubo, a própria homossexualidade sabotam ao sistema quando faz o dominante admitir aquilo que lhe é marginal como parte de sua própria existência.
O autor, que se envolveu com o ativismo político de esquerda que levou aos eventos de Maio de 1968, na França, já faz, neste livro, uma espécie de manifesto contra aquilo que o poder capitalista patriarcal tem como pilares: o direito de propriedade (afinal, o gozo da realização do narrador está no roubo), o trabalho como única condição dignificante e a obediência social, tendo a sexualidade grande subversão.
É importante dizer, por outro lado, que não me escaparam questões complexas em qualquer sociedade, porém ainda mais em relação à francesa: o racismo e a objetificação sexual de pessoas pretas, um certo grau de nacionalismo (que até pode ser sarcástico, de certa forma) e, ainda que a conteste, a homofobia e a padronização do que é digno de desejo, de interesse humano.