Paulo 25/06/2023
Essa é uma edição mais de meio de arco com algumas histórias interessantes como o encontro com o Superman e o ressurgimento da Circe no pós-crise. Talvez para alguns leitores seja uma edição mais mediana, embora o confronto dela e do Superman com o Darkseid possa ser um ponto alto aqui. George Perez é um roteirista consistente, embora por vezes pareça prolixo demais, apesar de ser uma marca da época. Nesta introdução à resenha queria destacar demais a arte do Perez que está em seu auge. Qualquer página que ele faça é detalhada, possui um dinamismo gigante e o Dick Giordano foi o parceiro ideal para arte-finalizar o traço dele. Se pensarmos na maneira como a personagem era tratada antes da Crise qualquer coisa que o Perez fizesse seria milhas à frente. Então, mesmo em uma edição mais tranquila como essa, temos boa arte, um roteiro construindo uma personagem repleta de camadas e pequenas sementes sendo plantadas. Sem falar que são histórias divertidas.
Vou falar um pouco sobre cada arco de histórias (são 3 aqui) e discutimos um pouco sobre os temas. Na primeira delas chamada Canto do Cisne, Perez introduz a Cisne Prateado, uma personagem que nesse momento é uma vilã menor da personagem. Apesar de Perez ter dado uns poderes interessantes a ela, faltou aquele empurrãozinho a mais para torná-la interessante no elenco de vilãs da Diana. Essa é uma história mais da Maxine e da Valerie. Maxine é uma pen pal da Valerie... Eita. A maioria de vocês não vai saber o que é uma pen pal porque isso era uma moda dos anos 80 e 90. Na época se procurava fazer amigos por correspondência, mesmo que estes morassem em outros Estados ou países. Era uma troca simples de cartas onde contávamos sobre nossas vidas e simplesmente conversávamos com outras pessoas. Sem conexões atreladas. Poderia acontecer um encontro um dia, mas quase nunca isso acontecia. Maxine encontrou em Valeria uma amiga capaz de entender os seus problemas e elas formaram uma amizade sincera. Mas, o tempo acabou criando obstáculos para as duas e subitamente Valerie sumiu. Quando Maxine finalmente consegue encontrar Valerie sete anos depois, esta parece ter se envolvido com um homem cruel e aproveitador que vai tentar matá-la. É quando Maxine descobre que Valerie é a Cisne Prateado.
Na trama, vemos uma mulher tendo uma relação tóxica com um homem que só deseja aproveitá-la de todas as formas possíveis. Tendo se submetido a experiências horríveis, Valerie se tornou uma bomba relógio que seu companheiro, Armbruch deseja empregar como uma arma biológica a serviço de quem pagar mais. É nítido o quanto a personagem não consegue enxergar o quanto o seu companheiro a utiliza das maneiras mais sujas possíveis. Perez consegue traduzir muito bem isso nas expressões faciais da personagem. Achei genial como o design da Cisne é praticamente angelical, com asas de penas e um uniforme todo branco. Há uma mescla do simbolismo de um anjo loiro com a figura do cisne branco. A pureza e a inocência sendo empregadas para ações malignas. A voz de Maxine parece não chegar aos ouvidos de sua amiga o que também a faz sofrer junto. Em diversos momentos Valerie começa a se dar conta do estrago que está fazendo e das pessoas que acabam envolvidas indiretamente, mas como uma mulher submissa ela apenas obedece ao que lhe é mandado.
Nesta primeira história começa um pano de fundo da Diana entrando em rota de colisão com os interesses da Mindy, sua agente publicitária. A entrada de um colaborador com objetivos escusos chamado Skeeter faz com que Mindy coloque Diana em alguns eventos que apenas exploram o lucro e um filantropismo barato. Quando a Cisne de Prata ataca o evento em que Diana está e faz o seu discurso de vilã B, Diana percebe que mesmo aquela fala distorcida tem a sua razão. Ela se dá conta de que está em um evento gigantesco com pessoas torrando dinheiro. Os motivos são totalmente torpes. Para piorar no final da segunda edição com o confronto final com a vilã, Mindy tem uma ideia "brilhante" de explorar uma possível relação entre Diana e o Superman. Eles chegam a combinar um encontro e Mindy procura subornar Clark Kent, o suposto homem que conhece o Superman, para colocar fotógrafos próximos para tirar fotos picantes do encontro. Óbvio que o Clark não vai aceitar, mas podemos ver aonde isso vai dar. Não satisfeita, Mindy cria uma falsa história com uma fofoca do beijo e outras coisitas mais entre os heróis.
E aí chegamos na segunda grande história desta edição que se chama Mundos Diferentes. Nesta edição Perez está em voo solo, sem o Dick Giordano, mas os roteiros são do John Byrne que era o roteirista do Homem de Aço na época. Na minha opinião, artisticamente falando, é a melhor história deste terceiro volume. Simplesmente porque Byrne deu um roteiro onde o Perez poderia fazer o que bem entendesse, tendo colocado os heróis em uma Olimpo em ruínas. Lá eles se encontram com Darkseid e um confronto entre eles se inicia. As cenas de ação são devastadoras com os personagens liberando todo o seu potencial. Byrne é bastante astuto ao saber que precisava não carregar as páginas com muitos diálogos. Bastava deixar Perez se deliciar com os quadros e as cenas. Sem mencionar a maneira como o artista explora a estranha física de um local regido por outras regras místicas. Então as coisas não funcionam exatamente como na Terra.
Byrne e Perez lidam de uma forma muito elegante com um possível romance entre eles. Queria me lembrar porque os dois não tinham desenvolvido um relacionamento nesse momento pré-novos 52. E deu para entender numa boa as razões. São mais de percepção do que vontade entre eles. Nesse momento da vida de ambos eles estão passando por trajetórias distintas o que os faz irem para lados opostos. O Superman enxerga Diana como uma deusa, um símbolo a ser adorado e idolatrado. Para ele, como ainda um jovem garoto do Kansas, Diana Prince é uma mulher inatingível. Por essa razão dá para entender porque ele acaba desenvolvendo uma afetividade pela Lana Lang e depois pela Lois Lane. São duas mulheres comuns com os pés no chão. Ambas não pertencem a esse mundo de lendas e mitos. Esse Clark Kent busca alguém para fazê-lo mais humano e menos deus. Já para Diana, que é uma enviada de Themyscira ao mundo dos homens, inspirar é o nome direto de seu objetivo. Ela deseja levar os valores de sua terra para o que ela chama de "mundo do patriarcado". Cada uma de suas ações envolve se tornar um símbolo para que outros possam reproduzir seus valores e refletirem sobre seus atos para serem pessoas melhores. Na visão dela, é inconcebível alguém com os poderes do Homem de Aço não almejar inspirar outras pessoas. Veremos que no futuro, o Superman vai adotar esse manto inspirador, mas isso depois de uma longa jornada.
O último arco de histórias tem como foco a reintrodução de Circe, uma velha adversária da Mulher-Maravilha. Perez aproveita esse arco de três edições para se aprofundar mais na mitologia dos deuses gregos e apresentar o papel dos locais de fé e sua relação com o poder dos deuses. Tem algumas informações meio confusas e desencontradas como a fala do Darkseid sobre os Novos Deuses e depois a correção feita pela Circe. Mas tudo ficou confuso demais. Enfim, vale pensar na Circe como alguém que sofreu algum tipo de incompreensão ou injustiça dos deuses do Olimpo, muito pela história contada a respeito de Hécate. Queria que o Perez tivesse trabalhado mais nessa linha para tornar as posições mais confusas entre mocinho e bandido. Sei que isso é uma coisa que vai se tornar mais comum nos anos 90, mas Circe daria uma excelente figura cinza. Até porque Diana sequer é responsável pela amargura da personagem e ela simplesmente representa esse ideal dos demais deuses que abusaram de Hécate.
A arte do Perez vai perambular bastante pela esfera do mitológico principalmente por os personagens estarem na Grécia. Uma mistura bem legal entre um tema meio cósmico com os mitos gregos. Achei que o Perez poderia ter sido mais lisérgico em alguns quadros, mas mesmo assim os quadros estão espetaculares. E mais uma vez o homem brinca quando se trata de colocar quinhentos personagens em cena. Tem dúzias e mais dúzias de criaturas meio humanas e meio animais na cena do quadro acima, que é só um pedaço de uma splash page. Só que alguns dos quadros estão repletos de diálogos, o que atrapalha a gente apreciar a arte. Gostei do design dos personagens e do cuidado que ele tem com o cenário, dando individualidade e precisão. Nos recordatórios lá pela última edição, Perez brinca um pouco com os quadros usando balões enevoados, sarjetas diferenciadas. Isso dá um toque bem legal ao que ele está apresentando.
A trama tem uma mescla de mistério com combates entre seres mitológicos. Temos uma ilha a uma curta distância de onde Diana se encontra onde diz-se viver uma bruxa. Logo descobrimos que ela está interessada na Mulher-Maravilha por conta de uma profecia feita há séculos atrás. Quando Diana vai ajudar seus companheiros após um estranho incêndio, ela é capturada por Circe que deseja matá-la a todo custo. Perez faz um pouco de mistério das edições iniciais, mas pouco a pouco a ameaça vai tomando um escopo bem maior do que o previsto inicialmente. É curioso porque imaginei que seria uma história até em escala menor, mais para apresentar a vilã. Mas, não. Meu único incômodo foi com um baita deus ex machina lá na última edição quando tudo parecia perdido e de repente... bam... Perez deixa alguns ganchos de continuidade que devem ser explorados depois. No geral, se trata de uma boa edição mesmo que ela tenha mais edições de construção narrativa do que ação ininterrupta. Vale a pena principalmente pela linda arte do Perez e pela criação de alguns clichês sobre a protagonista que se tornarão padrão para ela.
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