Vinicius.Dias 25/08/2023
We are Motörhead and we play Rock'n'Roll
Lemmy
Existem alguns figurões que simplesmente dispensam apresentações e Lemmy Killmister é definitivamente um desses indivíduos. Uma lenda do Rock'n'Roll - ou seria um deus? - que foi e é venerado até hoje pela imensa maioria de admiradores da boa e velha música pesada. Ele foi o frontman da igualmente lendária banda Motörhead na qual empunhava seu baixo como uma fortaleza inabalável e lenhava os tímpanos alheios com a sua característica voz rouca, imbuída de Jack and Coke, cigarro e vários aditivos, sendo o principal deles o Speed (Metanfetamina). Em alguns momentos polêmico, em outros tantos falastrão, mas inegavelmente sempre mantendo uma personalidade que não se curvava perante nada e nem ninguém. Não é à toa que esse homem deixou a sua marca e transformou a música como a conhecemos, sendo o precursor de um som que misturava a crueza e a velocidade do Punk com o peso e o estilo do Heavy Metal. Simplesmente Rock'n'Roll!
Neste livro, escrito pelo famoso jornalista Mick Wall, que trabalhou como assessor de imprensa do Lemmy por muitos anos, somos introduzidos à vida do músico, desde o seu nascimento, passando pela adolescência, relações familiares, introdução na música, bandas, carreiras, conflitos, polêmicas, até mesmo a luta contra o envelhecimento e o fim de sua vida. Descobrimos como e por que ele começou a ser conhecido como Lemmy, quais foram seus principais interesses ao entrar para o mundo da música, o principal motivo de sua ira em relação à igreja e às religiões em geral, seu período hippie quando foi roadie pessoal de ninguém menos do que Jimi Hendrix, o tempo que passou tocando covers de rock dos anos 50 com o The Rockin' Vickers, as experimentações psicodélicas com a banda Sam Gopal, as viagens intergalácticas tocando space rock e os motivos mesquinhos de sua demissão do Hawkwind, os interesses pelos artefatos da Segunda Guerra Mundial, os quais colecionava em seu pequeno apartamento na esquina do Rainbow Bar. Sua longa e prolífica carreira com o Motörhead e, por fim, os desafios da vida sênior após anos de excesso . Tudo isso e mais um pouco está contido nas páginas desse livro.
Uma coisa interessante é que, paralelamente, fazemos uma viagem pelo mundo das drogas vigentes na época e entendendo como elas influenciavam a música que ele estava tocando. Em alguns momentos, o ácido e os barbitúricos influenciaram no lado mais psicodélico, enquanto em outros, a cocaína ajudava a acelerar ainda mais a velocidade do seu som. No entanto, a única constante era o Speed, inclusive sendo o motivo do nome de sua banda. "Cabeça de motor" é uma gíria usada para descrever o estado mental das pessoas que consomem essa droga.
A leitura do livro é leve e vem carregada de transcrições de outras entrevistas que o Lemmy e outros integrantes deram ao autor ao longo de suas vidas. O foco é principalmente no início da carreira e na fase de ouro do Motörhead, o que, por vezes me deixou um pouco desconfortável com alguns comentários do Mick Wall que deixaram claro o quanto ele é aquele tipo de fã chato e que não aceita mudanças no som ou nas formações de suas bandas favoritas, independente se isso está ou não funcionando. Achei que em alguns momentos ele foi tóxico e deixou suas impressões e gostos pessoais transparecerem em sua escrita. Isso difere do Martin Popoff, que segue na mesma pegada em seus livros, entretanto com muito mais imparcialidade e respeito pela obra dos artistas e seus fãs. Não sei se isso se deve à proximidade que o autor tinha com Lemmy, o que o levou a ser mais "sincerão", ou se todos os livros dele são assim, mas eu não curti muito e em vários momentos fui obrigado a discordar do que ele havia escrito.
Uma outra parte substancial do livro aborda o final da vida de Lemmy e como o envelhecimento e os anos de abusos acabaram por transformar o Deus Lemmy no homem cheio de problemas de saúde e complicações mentais. Mesmo perdendo a batalha, ele não abaixou a guarda em momento algum. Nessa parte percebe-se como o etarismo é bem presente na mídia e como matérias sensacionalistas sempre estarão em voga. As pessoas estavam mais preocupadas em questionar a possibilidade da morte do que em celebrar a vida daqueles que ainda estavam presentes e desfrutando dela, mesmo com algumas dificuldades. Muito paia!
Esse não é aquele livro perfeito e que faz jus a lenda que o Lemmy é. Eu ainda não li a biografia "A Febre da Linha Branca" para poder afirmar algo, mas, por hora, serve para cobrir uma lacuna nas publicações sobre sua vida. O livro foi lançado pela Editora Globo e, em minha opinião, faltou um pouco de esmero com a tradução. Não é nada gritante, mas me parece algo muito estranho traduzir o nome de uma banda como foi feito com a sua primeira: The Rockin' Vickers, além de outras coisitas mais. Apesar desse probleminha, existem algumas fotos legais de fases distintas de sua vida, o que balanceia o material. Não é perfeito, mas quebra o galho!
"Toda a vida dura, a bebida, as drogas, o sexo, o dinheiro, as besteiras, isso nunca foi difícil. Isso é fácil. A parte difícil foi não morrer" - Killmister, Lemmy