Pandora 15/10/2017As piores trevas são as nossasBruno Schwarz é um artista plástico renomado na faixa dos 50 que faz uma arte vendável e de qualidade duvidosa, o que lhe dá dinheiro suficiente para viver muito bem, mas que lhe obriga a viagens internacionais constantes. Sua mulher e o filho de sete anos vivem praticamente sozinhos na cidade (fictícia) de Trevo do Sul, uma das mais frias da serra catarinense, para onde ele retorna após uma de suas viagens.
Bruno é egocêntrico, cínico, vaidoso, machista e sarcástico, não só com a vida em geral, mas com sua própria arte. Nesta noite da volta pra casa - a noite mais fria do ano, chega até a nevar - ele passa a refletir sobre a sua vida e principalmente sobre seu filho, a quem ele mal conhece, e a paternidade.
Pensa num livro que começa morno e então há uma cena inesperada e você pensa: agora as coisas vão deslanchar. Mas não deslancham. E você segue lendo, a narrativa é estranha e bizarra, mas você só acha tudo muito maluco, uma aura de David Lynch, uma viagem de ácido. Só que sem perceber, você já está envolvido numa atmosfera sinistra e muito tensa e você tem até que dar uma parada na leitura pra tomar um ar porque, quando se dá conta, vê que suspendeu a respiração e que a sensação é de que você está preso numa noite infinita junto com o personagem e que aquelas poucas páginas que leu parecem o dobro. Você perde a noção do tempo.
Este clima insano e claustrofóbico permanece durante toda a leitura. Ele é alternado com flashbacks que explicam melhor quem é o protagonista, sua relação com a arte e com sua família. Mistura lenda urbana com paranoia, tem uma visita estranha na madrugada, animais empalhados, uma historinha infantil macabra - e deliciosa! -, surrealismo, fantasia... enfim, é uma loucura!!! Eu só não dou 5 estrelas para este livro porque com a aparição de uma certa personagem feminina já quase no fim da história o terror psicológico deu lugar a um gore dispensável, que só sujou a narrativa, na minha opinião.
Ultimamente tenho tido a felicidade de me deparar com novos (para mim) ótimos escritores: Afonso Cruz, José Luiz Peixoto, Dulce Maria Cardoso, Altair Martins, Mariana Enriquez... Santiago Nazarian é também um destes escritores que têm um prosa envolvente e original, que fazem a diferença na literatura contemporânea. Eles cutucam, instigam, inovam, incomodam. Gosto disso. Que venham mais Nazarians!