Fabio Michelete 02/02/2014
Nosso Leitor: Mentes Quietas e Vulneráveis
“Mentes Inquietas” e “Mentes Perigosas”, de Ana Beatriz Barbosa Silva, chegaram a minha lista de leituras de um modo estranho. Estavam numa pilha de livros que o proprietário original não julgou dignos de guardar na estante. Foi meu primeiro aviso de que não eram tão interessantes, mas decidi ignorá-lo, curioso para entender porque a autora se tornou best-seller.
Sempre acho que ao ler um livro popular, vou desvendar por que fez sucesso. Acabei com algumas suposições, e alguma desesperança também.
A autora explica que as páginas visam trazer assuntos médicos e técnicos a um público leigo, mas idiotiza este público. As informações são rasas, cheias de dicas que considero ofensivas à inteligência do leitor, dada sua obviedade:
Ao dar dicas de relacionamento: “Tente sempre se colocar na posição do seu par. Lembre-se de que cada pessoa tem sua maneira de ser. Respeite o jeito do outro para que você também possa ser respeitado.”
SÉÉÉRIO??? E por ai vai, dando dicas para professores respeitarem e terem paciência com as crianças, e outras informações nada valiosas. De onde vem isto? Você já viu um médico considerar o público leigo incapaz de entender algum assunto? Não, não acontece... Pois é, minha gente: a informação como mecanismo de submissão.
Mas se é raso, ofende a inteligência do autor, por que “Mentes Inquietas” fez sucesso e gerou uma sede da editora por mais pérolas da autora? Ora, todo mundo pode lançar um livro mais ou menos, mas aprende com a experiência do leitor, vai se desenvolvendo. Minha hipótese para este sucesso que desencadeou novos livros é: porque somos uns mimados. Isso mesmo! Num mundo individualista, em que os sucessos e fracassos são reputados ao indivíduo, sem considerar os fatores externos intervenientes, é ótimo termos uma desculpa para nossas dificuldades. Daí a formula mágica:
CRIAR IDENTIFICAÇÃO DO LEITOR COM O TEMA
Ana Beatriz escreve:
“De forma resumida, seguem algumas dicas que servem de auxílio para dar o primeiro passo rumo ao diagnóstico de TDA (Transtorno de Deficit de Atenção) em uma criança:
1) Com frequência mexe ou sacode pés e mãos, se remexe no assento, se levanta da carteira (...)
2)É facilmente distraída por estímulos externos(...)
3)Tem dificuldade de esperar sua vez em brincadeiras ou em situações de grupo (...)”
100% das crianças que conheço preenchem o critério diagnóstico simplificado pela autora. E nós todos já fomos crianças – assim... o primeiro objetivo foi atingido: criar identificação entre você e o tema. Você se descobre um TDA incompreendido.
DESCULPAR NOSSAS FALHAS
Agora que intimamente me sinto TDA, descobrirei sobre interpretação benigna da autora sobre o advento deste diagnóstico:
“Onde essa história se iniciou, não se sabe dizer; no entanto, a mudança no “foco” da questão possibilitou retirar o TDA da esfera moralista e punitiva e leva-lo para uma esfera científica e passível de tratamento. É isso o que realmente importa.”
O que se seguirá é uma discreta indução, mostrando primeiramente que as pessoas com TDA não têm realmente culpa por serem dispersas, por vezes desorganizadas, impulsivas. Um depoimento deixa isto claro:
“Só saber que eu era TDA tirou uma tonelada de meus ombros. Eu não era bagunçado porque queria ou porque era preguiçoso. Eu tinha dificuldades concretas mesmo!”
Não cabe mais ao TDA trabalhar a disciplina ou regular seu desejo, capacidade difícil para todos desenvolvermos, em maior ou menor grau. O TDA foi declarado incapaz disto, precisa de medicamento! Pode sentar enquanto o medicamento faz sua parte.
MOSTRAR NOSSOS PONTOS POSITIVOS
Agora que me sinto TDA, não me culpo por minhas indisciplinas e dificuldades com impulsos (que afinal são fruto de um determinismo biológico), posso agora olhar para o lado brilhante do TDA. A autora mencionam em vários momentos a necessidade de não olharmos os TDAs com uma postura julgadora e moralista, mas faz um julgamento moral no sentido contrário. Na escolha dos depoimentos, os TDAS são figuras criativas, de ritmo mais forte e maior perspicácia, diferentes dos medíocres normais:
“Costumávamos acampar com amigos até que resolvemos que seria melhor viajarmos sozinhos, pois ninguém acompanhava o nosso ritmo.”(...)
Ou várias citações atribuindo aos TDAs uma chave extra para as invenções do mundo. Há até uma lista de possíveis TDAs, como Einstein, Fernando Pessoa, entre outros ilustres...
E O SEGURO DA AUTORA: INFORMAÇÕES CIENTÍFICAS
Para não ofender seus iguais, a autora coloca uma serie de relativizações, estas sim com fundamento teórico. Informa que o diagnóstico de TDA depende de muita observação (igualzinho vemos os psiquiatras fazerem antes de receitarem ritalina para crianças), que tudo é uma questão de grau, e que somos mesmo mentes diferentes tanto genética quanto no âmbito do comportamento.
Isso é verdade e claro no livro. Aliás, isto redime a leitora, e utilizo isto aqui também. É lógico que há pessoas com dificuldades fundamentais de concentração. O que não fica claro é a base ideológica para a decisão médica de criar este critério diagnóstico. Estatística! É possível traçar uma curva normal (normal para a estatística é o que é mais frequente) para os níveis e atenção e capacidade para disciplinar nossos desejos imediatos, e quem sai da norma é transtornado!
...(Continua em minha resenha de "Mentes Perigosas")...