Maria9689 25/10/2024
De desilusão em desilusão, Policarpo Quaresma
Destituído de interesses próprios, ingênuo como uma criança, na alma tecidos sonhos tão plácidos e sublimes, Policarpo Quaresma é um defensor e patriota de caráter incontestável.
Guiado por um sentimento ímpar de emancipação da Pátria, Policarpo dedica não somente o tempo e a vida, mas também o coração pela nação Brasileira. Sempre disposto, e ora (confesso) obssessivo, os planos e esperanças, que lhe são a força motriz de sua existência, parecem, em primeiro plano, indestrutíveis.
No entanto, exposto à zombaria e piadocas sobre a conduta nacionalista que o rege, resvalado na coerção e corrupção de um Governo nefasto, na eclosão e no centro de uma Revolta Civil, poderia as convicções do tão inocente e imáculo Policarpo Quaresma resistir?
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Lima Barreto, autor da obra, trouxe à luz um cenário ainda hoje tão fixo e (pensamento meu) inerente à realidade brasileira:
A supervalorização ao que é de fora frente ao contrastante descaso popular com a própria nação; a certeza assoladora de um país vasto, rico, claramente excepcional, mas brutalmente entregue à tríade dos "c": cegueira, conformismo e corrupção.
Com uma linguagem simples, de fácil entendimento, perpassada por críticas sociais pertinentes e personagens que aparentam quebrar a abstração da leitura e materializar-se na nossa frente, Lima Barreto traz, em o "Fim Triste de Policarpo Quaresma", reflexões sobre a vida, morte e o espectro infinito de loucura que há entre elas.
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(Opinião - Contém Spoiler)
Se há uma coisa que aprendi com a leitura desse livro, isto é: como é infértil amar e se dedicar a um País onde a Justiça nada mais é do que um produto manipulado em favor dos poderosos.
Pobre Policarpo!
Não apenas triste, mas como irônico e desdenhoso foi o seu fim. Senti quase como se a vida (ou o próprio Brasil, quem sabe?) estivesse com o dedo apontado e rindo, e rindo, e rindo infinitamente da sua cara.
Como foi amargo o final daquela criatura que, encarcerado naquela prisão, mais parecia a personificação do arrependimento do que um homem em si.
Não me atenho ao fato do Policarpo, tão amante, tão fiel, simplesmente tão ele ao Brasil, ter sido considerado um traídor da Pátria. O que doeu (o que às vezes ainda dói quando me pego vagando por esse livro) é ele ter chorado e afogado o seu desconsolo em um mar de arrependimentos.
Afinal, que fizera ele além de sonhar? Como ele próprio concluiu: não se fez ouvir a sua voz, não deu uma substância sólida ao seu sonho para que outros que viessem adiante dele pudessem prosseguir com o seu legado e dar razão ao seu sacríficio. E se sim, de que valeria? Não teve filhos. Não amou.
Não viveu.
A contemplação de Olga, afilhada de Quaresma, no parágrafo final do livro, só me faz pensar como o ambiente é suscetível a mudanças, mas a bruteza do homem, o seu caráter sanguinário, a ferocidade do ser permanecem incólumes, impassíveis, cruelmente indiferentes à passagem da vida, do tempo, do século...
E para isso, talvez, não haja cura.