virctto 16/08/2024
Ao homem que usaria camiseta da Seleção todos os dias.
Confesso com tristeza que não faço ideia de quando comprei este livro, mas o que destaco é que se trata de uma versão já folheada por outras mãos. O encontrei num dos sebos de minha cidade sob a pechincha de meros dez reais, e, junto ao fato desta edição ter sido publicada em 1995, me pergunto em quais mãos e em quais locais este fino livro já esteve. A editora, Ediouro, brincando com o nome, fez ouro ao trazer um prefácio tão rico em detalhes da vida do escritor, Lima Barreto, o que aumenta a pressão sobre o que poderemos encontrar nas 136 páginas seguintes.
Importante dizer, antes de tudo, que esse livro é um produto de sua época, e como tal, atualmente têm um impacto diferente em quem o lê, principalmente no que se refere ao ritmo de leitura, a estrutura de texto, a exposição de detalhes e mesmo no decorrer de acontecimentos. O que mais me incomodou foi o primeiro caso. As trinta páginas iniciais são lentas, difíceis de serem passadas, mas nas seguintes o ritmo toma fôlego como uma locomotiva à vapor: inicia lentamente, então faz barulho, aumenta a velocidade e segue imparável até o fim.
"Triste Fim de Policarpo Quaresma" é um dos títulos mais carismáticos da literatura brasileira ? não se dá para tirar muita coisa dele além do spoiler de que Quaresma, o protagonista, terá um triste fim. Muito por conta disso, a leitura acaba sendo a procura ininterrupta por esse fim, que só chega no tardar das páginas, quando se começa a esquecer da busca objetiva lírica e acaba por entrar na psique dos protagonistas, tão ricos em passado, em propósito, em desejos e vontades, cujos egos os balançam ao longo da trama. Quaresma não foge a essa regra. Ele é interessante, ele é exótico, ele é tão diferente do que se esperaria de um cidadão brasileiro do século XIX que, desafortunadamente, acaba por não se encaixar no ambiente que está ? seja na cidade, seja no Sossego, seja no exército. Ele é, sobretudo, o que o caçoaram ser: um visionário.
O cuidado que Barreto tem em retratar os dramas individuais de todos que permeiam a vida de Quaresma por vezes acaba interferindo no fluxo agradável de leitura que o seria caso apenas a linha de Policarpo fosse seguida. É rico e interessantíssimo que cada um tenha sua própria ambição, seja ela a glória de uma profissão ou a conquista de um sobrenome por meio do casamento, mas Quaresma rouba a cena, seja ela qual for, sempre que seu nome é citado. Julgo aqui que as personagens mais queridas a mim (depois do protagonista, claro) são as femininas: Olga, a jovem afilhada, Dona Adelaide, a irmã solteirona, e a triste Ismênia, que me tirou lágrimas assim que soube de seu fim. Cabe uma menção ao queridíssimo Ricardo Coração dos Outros, que mesmo perseguindo seus próprios desejos, manteve sua lealdade e amizade a Quaresma até o fim, mesmo depois das altas patentes virarem as costas, desconversarem, o ameaçarem ou lavarem as mãos.
O livro, por inteiro, é uma crítica velada ? não só uma, várias delas. O escritor não economiza palavras para fazer e desfazer elogios contraditórios aos regimes de sua época, à política conturbada (tanto a de cidades grandes quanto a de menores, presente em lugares tão sossegados quanto uma cidadezinha de interior), à falsa honra, aos papéis de gênero e trabalho, ao simbolismo de "sucesso" do brasileiro; principalmente, claro, ao que representa nacionalismo, ao que significa pátria, ao que deveria ser uma identidade nacional brasileira. Policarpo busca isso ao longo do livro. Julga saber as rspostas, imagina que sabe os motivos para tudo, entende quais seriam os movimentos governamentais ideais para melhorar seu tão amado Brasil. Ele luta, ele demostra seus interesses; e então é julgado por tudo que um dia acreditou ser o certo, sem saber o que aconteceria no dia seguinte, na hora seguinte, no minuto seguinte. Seu fim é injusto, seu fim é dolorido, seu fim é triste.