Lucas Galvão 20/01/2023
Resenha de Triste Fim de Policarpo Quaresma
Triste Fim de Policarpo Quaresma é uma obra prima de Lima Barreto, publicada primeiramente em forma de folhetim. O conto se passa durante o governo de Floriano Peixoto, segundo presidente da república e sucessor de Deodoro da Fonseca.
Policarpo Quaresma realmente tem um triste fim, o que faz jus ao nome do livro. Mas além de triste, o desfecho é também complexo, de modo que apenas noticiar o que lhe acometeu não é o suficiente para entender o drama que o epílogo da sua vida significa. Isso se deve à maestria com que Lima Barreto conduz a história e desenvolve o seu herói. São tantos os percalços que ele passa, que torcemos que o seu final seja feliz.
O tema central da obra é o nacionalismo e o patriotismo. Apesar desses assuntos encontrarem-se presentes nas discussões atuais, o sentimento nacionalista representado não é o mesmo que vemos por aí. Policarpo é patriota, mas não é contra a ciência (até porque as duas posições não precisam ser antagônicas, essa é uma imbecilidade bolsonarista). Quando resolveu aprender a agricultura, buscou os livros com o objetivo de iniciar ao seu empreendimento. Algo semelhante ocorre quando Quaresma encontra-se em combate: procura fazer cálculos de trajetória, para que assim o tiro de canhão seja certeiro. Enquanto isso, os seus colegas de guerra preferem atirar "no olho", quase sempre errando o alvo. Outra característica que distingue o personagem principal dos atuais nacionalistas reacionários é o reconhecimento dos povos indígenas como brasileiros, donos desta terra. Ele nutre essa ideia e resolve aprender tupi. A sua busca pelo reconhecimento dessa língua o deixa em maus lençóis. Poucos entendem a intenção de Quaresma de torná-la conhecida pelo povo brasileiro, os políticos interpretam a iniciativa como pilhéria ou um indício de afronésia. Do outro lado, Policarpo não compreende como pode os ditos intelectuais ignorarem o idioma dos primeiros moradores do país em que vivem.
Quem lê Triste Fim de Policarpo Quaresma pode lembrar-se de outro importante personagem da literatura: Dom Quixote de La Mancha, protagonista do escritor espanhol Miguel de Cervantes. Apesar de certas semelhanças entre ambos, os personagens enxergam o mundo de formas diferentes. Policarpo não se desloca da realidade, exceto em alguns casos específicos - a exemplo de quando resolve não usar adubos durante o plantio, pois para ele a terra brasileira é muito fértil e dispensa esse tratamento. Em contrapartida, Dom Quixote apresenta dificuldades em discernir o real do fantástico, levando-o ao absurdo de confundir moinhos com gigantes, bacias com elmos encantados. Como semelhança entre as histórias, deixo aqui destacada uma interessante opinião dos companheiros de ambos os personagens: não há culpada pela loucura, senão a leitura!
Apesar do patriotismo ser um dos assuntos centrais, Lima Barreto discute em seu livro diversos outros temas. O costume dos pais buscarem casar depressa as suas filhas; a depressão (mazela vivida por Ismênia); a amizade (como é desesperadora a tentativa de Ricardo de conseguir ajuda dos amigos de Policarpo quando ele mais precisava!); censura; política e politicagem; distribuição de terras no Brasil. São diversas as discussões presentes.
No fim, o que resta a Policarpo é o questionamento: é válido abdicar a sua própria vida para servir à pátria? Ele deixou de viver para si, de experimentar felicidades, amores, paixões e dedicações desinteressadas, tudo com o simples objetivo de servir a um bem maior: elevar a figura da sua pátria, o seu amado Brasil.
Triste Fim de Policarpo Quaresma está disponível gratuitamente no site da Amazon em formato ebook Kindle (Série Prazer de Ler - Brasília 2017). É possível encontrá-lo também no site da Câmara dos Deputados.