ReiFi 28/04/2011
Triste fim de Policarpo Quaresma - Lima Barreto
Por José Reinaldo do Nascimento Filho
Terminei.
Certa feita eu assisti a um programa de televisão com o meu irmão Leonardo no qual o entrevistador e o entrevistado conversavam sobre as agruras da “profissão” de tradutor. Com o desenrolar do programa, um dos entrevistados falou sobre o número de obras estrangeiras traduzidas para o português do Brasil, contrapondo ao mesmo trabalho feito nos Estados Unidos.. Embora não esteja lembrado das percentagens citadas, sei que o número de livros brasileiros traduzidos para a língua inglesa é ínfima – em comparação as quantidade absurda de livros trazidos para as prateleiras tupiniquins.
Assim que acabei de ouvir tais números, fiz uma estúpida comparação a respeito do nosso Brasil: Comparei o nosso pais ao canal aberto Rede TV (“a rede que mais cresce no Brasil”, é bom frisar) Se eu não estiver enganado a frase foi mais ou menos assim: Incrível, não? O Brasil parece e muito com a Rede TV; porque veja bem: enquanto que no Brasil nós “vivemos” da cultura dos outros – diga-se Beyoncés, Ladys Gagá, Justin Beabers -, a inexpressiva Rede TV sobrevive da programação alheia (ou melhor, sobrevive da fofoca direcionada à programação alheia). A Rede TV é, definitivamente, um canal subdesenvolvido, não acha. “É”, acho que sim, disse o velho Leonardo.
Coincidência ou providência, essa anta que vos escreve estava lendo justamente uma obra na qual a personagem principal é um idealista apaixonado pelo Brasil e que abomina a cultura de outros países com todo afinco. Refiro-me ao já clássico Triste Fim de Policarpo Quaresma (1915), do mulato com ideias socialistas e de família modesta Lima Barreto, nascido no Rio de Janeiro, capital, do dia 13 de maio de 1881.
Pode parecer pretensão, mas acredito que a história desse livro pode ser resumida da seguinte forma: “A narrativa de um homem cuja sina é ver suas ideias e seu patriotismo serem motivo de chacotas, enquanto que medíocres e políticos corruptos chafurdam nas riquezas do Brasil”. O autor define como objetivo da obra “desenvolver o culto das tradições” e “mantê-las sempre vivazes nas memórias e nos costumes” (p.29). Policarpo Quaresma é um Dom Quixote à Lima Barreto, e o Homem ridículo de Dostoievski vivendo nos trópicos.
O livro é dividido em três partes distintas – cada uma subdividida em mais cinco partículas – que correspondem, cada uma, a um dos projetos grandiosos do protagonista.
Na primeira parte, para mim a melhor, conhecemos a personagem Major “Caxias” Quaresma, e todas as suas “excentricidades” patrióticas – exageros que levam às mais irritantes e persistentes chacotas dos seus vizinhos, diga-se de passagem. É também nela que o protagonista conhece Ricardo Coração dos Outros, e decide, com ele, aprender a tocar violão – instrumento que, na época, simbolizava a boemia e vadiagem. Assim que têm início as aulas, a zombaria em torno de Policarpo aumenta e passa a assumir ares maldosos. Para tristeza da personagem em questão, ele descobre que o instrumento que ele afirmava ser original do Brasil foi, na verdade, trazido por estrangeiros. Essa descoberta o faz abandonar as aulas, levando-o à depressão – isso, claro, somado aos constantes e irritantes “bullings” (desculpem o anacronismo, não resisti) feitos pelas pessoas que o cercavam. Após abandonar as aulas, Policarpo entra na inusitada empreitada de transformar a língua “Tupi” no idioma oficial do Brasil. E foi assim que, por descuido, acaba por redigir um ofício inteiro na língua indígena, o que resulta em sua dispensa do batalhão. Sozinho e sem ninguém, o Major sofre um colapso mental e é internado em um sanatório.
Na segunda parte, agora livre do sanatório, Policarpo Quaresma resolve comprar um tranqüilo e muito distante sítio: O Sossego. Fascinado e cego (redundância?) por aquelas belas terras, o Major começa a estudar e trabalhar com todo afinco para melhorar aquilo que lhe foi “dado” como presente pela natureza.
Certa noite, após dias e dias de trabalho incessante nas “maravilhosas” terras, Policarpo é acordado por milhares de formigas gigantescas que estão destruindo todo o seu estoque de sementes. E nesse trecho as metáforas são tão claras que chegam a cuspir na gente: assim como o sítio Sossego representa a nossa pátria e como ela reage frente às nossas maneiras de agir, as formigas representam a realidade iminente que tanto persegue Policarpo: para tristeza deste as terras do Brasil não estavam livres de pragas e… formigas. Mais uma desilusão para o nosso personagem. Não obstante tal calamidade, Policarpo envolve-se com corruptos políticos locais – embora acredite estar fazendo o melhor para a nação –, fazendo-o se revoltar com a política nacional agrícola, após descobrir as tais artimanhas e sujas negociatas realizadas sem o seu conhecimento.
Na terceira parte, agora se aproximando mais da História, o autor leva o protagonista a envolver-se na Revolta da esquadra da Marinha (1893-1894) – confrontos nos quais Policarpo oferece todo o seu apoio ao presidente Floriano Peixoto. Por fim, a revolta é reprimida, e todos os envolvidos presos e enviados para a prisão. Não conformado com as atitudes do presidente, Policarpo envia uma carta repudiando as atitudes tão ditatoriais. Policarpo também é preso, e… e já escrevi demais sobre o livro.
Tenho apenas uma crítica para fazer sobre a obra em questão: a perda do fôlego narrativo. Apesar de o romance ser curtíssimo (208 páginas), escrevo com pesar que fiz, em alguns trechos, uma leitura forçada da obra; e justifico esses momentos, baseando-me, somente, na não “capacidade” do autor em manter o fôlego do início ao fim do livro (pelo menos não para mim). Situação que não aconteceu, por exemplo, em Luz em Agosto, romance no qual o autor parece não querer desperdiça uma palavra sequer (e nesse aqui Lima Barreto desperdiçou?).
Realizar a leitura de Triste Fim de Policarpo Quaresma foi uma experiência recompensadora e reveladora, principalmente porque escolhi estudar a ciência História, disciplina que tem como metas, “desenvolver o culto das tradições” e “mantê-las sempre vivazes nas memórias e nos costumes”. Utópico? Pode ser. Mas como disse o Homem ridículo: “Se todos quisessem, tudo mudaria sobre a Terra num momento”.
Para saber mais, acesse: http://catalisecritica.wordpress.com/2010/12/30/triste-fim-de-policarpo-quaresma-lima-barreto/