Natália 22/11/2014“Como a maioria dos sofrimentos, esse começou com uma aparente felicidade”, pág. 76
Eu devia ter um pouco mais de 12 anos quando li, pela primeira vez, "A Menina que Roubava Livros". Foi o primeiro livro “difícil” com o qual topei. Difícil e pesado. Não me agradou, li de forma demorada e preguiçosa, pouco me atentei a qualquer coisa, talvez porque, na época, eu preferisse os livros em que a linguagem era mais objetiva e ligeira.
Compreendia, é claro, a guerra e a dor por trás dos preceitos e intolerâncias pregadas por Hitler. E a 2ª Guerra sempre foi um período que me interessou mais do que qualquer outro da história. Mas não pareceu me chamar atenção; guardei o livro com outros e só voltei a abri-lo anos depois, por causa de um trabalho da faculdade em que teríamos de medir as semelhanças e as diferenças entre o livro e o filme.
Eu lembrava de poucos detalhes do livro, então precisei lê-lo novamente. E, hoje, me arrependo de não ter dado a devida atenção que o livro merecia durante o tempo em que ficou em meu armário.
Eu me apaixonei não só pelos personagens e pela história de vida que traziam consigo, mas também pela rua em que moravam, pelas casas em que viviam, pelos livros que Liesel ganhou de Max e pela Morte — ela talvez tenha sido minha personagem favorita.
A leitura é longa e arrastada, e aos 12 anos eu não a suportava. No entanto, agora acho que essa característica é o que a faz única — o escritor não tem pressa, e tem momentos em que você realmente torce para que Markus enrole muitos e muitos capítulos.
Ele vai nos contando aos poucos a história por trás de cada um dos personagens, e você começa a se apegar a eles. A todos eles. Porque passa a entendê-los — de Rudy, o garotinho de cabelos cor de limão, até a amarga e grossa Rosa.
Acho que talvez tenha sido o que faltou no filme — ao contrário do livro, o filme foi acelerado e pouco cauteloso quanto à relação entre os personagens. Não culpo quem o fez, o filme tem duas horas! Mas não me incomodaria de jeito nenhum se metessem cinco horas ou mais, e assim destacassem o carinho paternal de Hans para com Liesel — as horas que passou dormindo ao lado da cama dela, a vez em que a ajudou a arrumar a cama suja de xixi, a bofetada que ele lhe deu na cara depois de um comentário infeliz, a procura deles por casas que precisavam ser pintadas. A relação deles no filme foi mostrada por alto, sem toda uma sucessão de acontecimentos que resultaram no amor incondicional que um sentia pelo outro.
“— Papai! — sussurrou Liesel. — Eu não tenho olhos!
[...] — Com um sorriso desse — disse Hans Hubermann —, você não precisa de olhos." Pág. 61
Mas, enfim, o filme não poderia se demorar muito em todos os pequenos detalhes, que pareceram fazer uma imensa falta para quem leu o livro.
Em compensação, Rudy, Max e Liesel saíram do jeitinho que os imaginei. Rudy não poderia ter saído mais parecido com o menino cheio de sorrisos e apaixonado por Liesel.
“ A única coisa pior do que um menino que detesta a gente
Um menino que ama a gente.” Pág. 49
Max e Rudy empatam, definitivamente não sei dizer qual deles eu mais amo — eu senti vontade de conhecê-los, de verdade, na vida real. Jogar uma bola com Rudy e escrever alguns livros ao lado de Max.
Rosa, minha personagem feminina favorita, é uma mulher desbocada, mal-educada, reclamona, briguenta e insuportável, mas o coração dela é tão grande quanto o do marido. Ela escondeu um judeu em seu porão sem pestanejar — o que no filme não acontece, nele ela cria certa relutância quanto à ideia de manter um judeu embaixo do próprio teto.
E Liesel; eu gosto dela e sofro por ela. É uma personagem tão insuportavelmente impossível de não se apaixonar! O jeito como ela aceita Max e cuida dele. E depois, quando ela finalmente — repito: finalmente! — percebe que ama Rudy. Eu poderia morrer de overdoses loucas de amor só com as cenas de Rudy, Max e Hans com Liesel.
Mas há também a parte triste por trás da história, o final e o que ele representa a Liesel — que já tinha perdido tudo uma vez. Dói, dói, dói, dói... e quem disser o contrário sequer chegou a passar o dedo pelas páginas do livro.
Demorei a ler o final de propósito, não queria chegar muito rápido na parte em que, eu sabia, sentiria raiva de tudo. Assim como existiram, ainda existem e continuarão existindo tantos lugares em que meninos como Rudy e boas pessoas como Rosa e Hans morrem o tempo todo — pelo mais cego ódio e egoísmo. E talvez seja isso que mais doa em mim.
Nunca concordei tanto com as palavras de uma personagem: “Os seres humanos me assombram”, pág. 478.