Fernanda631 05/07/2023
As Terras Devastadas (A Torre Negra #III)
As Terras Devastadas (A Torre Negra #III) foi escrito por Stephen King.
Roland e seu ka-tet seguem em sua jornada rumo à Torre Negra. Roland precisa lidar com as consequências de suas escolhas em uma busca por Jake e uma cidade chamada Lud onde eles se deparam com um estranho monotrilho.
Após todas as turbulências que passaram juntos, Roland, Eddie e Susannah seguem sua jornada no Mundo Médio. Mas em seus caminhos aparece um urso gigantesco chamado Shardik. Esse monstro está relacionado com os doze portais que possivelmente podem ajudar o ka-tet (um grupo de seres ligados pelo mesmo ka, pelo mesmo destino) chegar até a Torre Negra. Roland acredita estar enlouquecendo, pois sua mente está dividida por uma parte sua acreditar que o garoto Jake Chambers é uma invenção de sua mente, e a outra acredita que ele realmente existiu. Em Nova York, Jake vive o mesmo drama, pois uma parte de si crê que ele está morto, e após a sua morte ele teria sido transportado para o Mundo Médio onde morreu de novo, e a outra parte lida com a realidade de talvez isso nunca ter acontecido. Tudo isso porque Roland criou um paradoxo temporal ao impedir que Jake fosse morto na rua 43, quando Mort empurraria o garoto e este seria atropelado por um Cadillac.
Com isso, King divide a trama em duas partes. Na primeira o leitor acompanha o ka-tet no Mundo Médio e Jake em Nova York tentando encontrar alguma maneira de ambos se unirem. Além disso, o autor vai trabalhar mais sobre a história do mundo de Roland, e quanto mais as perguntas vão sendo respondidas, surgem mais perguntas ainda. Não dá pra contar o que acontece na segunda parte, mas posso adiantar que se você curte a exploração de novas terras e novas civilizações, vai achar muito instigante. Vai ser aqui que aparecem dois personagens relevantes para os próximos livros.
Os personagens principais são praticamente os mesmos dos 2 primeiros livros. Como O Pistoleiro serviu como introdução a história e A Escolha dos Três aquele prólogo introduzindo os personagens, é no terceiro livro que pode-se perceber a evolução deles. Mas vamos falar de um em especial. Eddie Dean, que foi apresentado como um viciado em heroína e se metia em muitos problemas por causa do irmão Henry. Por amar demais o irmão mais velho e viver na sombra dele, Eddie sentia-se retraído e incapaz de tomar grandes decisões. Ir viver em outro mundo onde não existe mais a sua droga, e ninguém pra dizer o que ele devia fazer ou não o ajudou a se tornar uma pessoa mais confiante. E claro, com o auxílio de Roland que neste livro tem um papel fundamental como tutor.
Aqui sim vemos a escrita do King tomando fôlego. Já mais maduro em sua pena, King consegue mostrar o que fez dele um dos maiores autores das últimas décadas. Uma escrita fácil, notadamente dinâmica e uma construção de personagens perfeita. Essas são as marcas registradas do autor. Ele dá personalidade aos personagens, fornece vivacidade mesmo a gestos simples. Vai ser nesse volume aqui que começam os links com outras obras do autor. É de pensar como a mente dele funciona. Como ele é capaz de organizar toda a sua insanidade e dar um sentido às suas criações? A narrativa é em terceira pessoa, com diversas subseções a cada capítulo, marcando os ângulos de "câmera" e os núcleos de personagem. Mesmo os capítulos sendo longos, a gente acaba não percebendo essa característica dada a velocidade como as coisas acontecem e a fluidez como a história é contada.
Como tornar personagens interessantes por vários volumes de uma série? Como fazer deles personagens a serem seguidos por tanto tempo? É aqui que o autor dá mais contorno a seus personagens, criando longos arcos de desenvolvimento. Depois de apresentar Eddie Dean, Susannah e agora o Jake, ele agora pisa no freio para divagar sobre o que move esses personagens. No começo deste terceiro volume, é lógico que ele vai se debruçar mais sobre Jake e sua relação com Roland. A experiência de Jake com O Empurrador é assustadora e marcante. Ao modificar as coisas, Roland cria um cenário com duas possibilidades. Mas, será que ao fazer isso, Roland não acabou causando algum tipo de desequilíbrio universal? O que torna Jake tão importante? Esses questionamentos se mesclam à própria agonia de Roland por ter deixado o personagem para trás lá no primeiro volume. A gente sente que isso abalou profundamente nosso pistoleiro, o que abriu espaço para ele aceitar a formação de um ka-tet. Mas, ele precisa seguir adiante. Nesse ponto, não sei se teria trazido Jake de volta. Isso porque de certa forma, a perda de Jake representou um ponto de virada para Roland fazendo com que ele pusesse suas decisões em perspectiva. Mas, okay, vida que segue.
Já Eddie e Susannah começam a desenvolver uma afinidade, algo que já havíamos percebido lá no primeiro volume. Para Eddie, Susannah é uma espécie de ambrosia, uma fruta dos deuses que lhe dá forças para reprimir os seus instintos auto-destrutivos. Começamos a ver flashes do que Roland viu no espírito de Eddie. E pouco a pouco vamos entendendo por que ele é tão importante para a jornada do pistoleiro. O espírito de redenção do ex-viciado se assemelha ao de Roland. Talvez dos três personagens, Eddie é o que mais consegue se relacionar a Roland. Pelas coisas que perdeu e pelas decisões que tomou. Já Susannah vai construindo um senso de propósito que vai tornando-a uma personagem riquíssima em detalhes. A junção de suas duas personalidades dá a ela uma perspectiva única sobre o mundo. Somos formados por um lado obscuro assim como por um lado bom. Ninguém é inteiramente bom ou ruim... isso seria puro maniqueísmo ingênuo. E é aprofundando o cinza de Susannah, mostrando que ela pode ser traiçoeira e maligna quando necessário, é que temos o melhor desenvolvimento de personagem até aqui. Quero muito ver o que King pretende fazer com ela.
Temos uma bela construção de mundo aqui com o aparecimento das terras devastadas, da cidade de Lud e da revelação das luzes que levam até a torre. King começa a traçar as bases para a construção de um épico que vai balançar as estruturas do universo que ele está criando. É incrível como ele conseguiu criar interesse no leitor nos dois volumes anteriores sem dar grandes detalhes sobre o que ele planejava na história. Apenas estávamos seguindo Roland por onde quer que ele fosse. Aqui não... através de alguns detalhes como a existência dos Anciãos, o passado dos Pistoleiros, as luzes que de alguma forma sustentam aquele mundo, o autor consegue fazer com que o leitor entenda que essa jornada vai levar a lugares obscuros, mas que ela é necessária no fim das coisas. E finalmente o aparecimento de um vilão dá um colorido especial a este terceiro volume. Blaine é assustador.
Podemos separar este terceiro volume em três momentos: a busca por Jake, a chegada a Lud e a interação com Blaine. Eu achei que a parte em Lud demorou mais do que o necessário. Aquele momento com os Pubes e os Grays serviu apenas para separar o grupo e criar momentos de tensão que acabaram não servindo tanto em um sentido maior da trama. Se era para mostrar mais o desespero de Roland em relação a Jake havia outras maneiras. Claro que os momentos finais com Blaine valeram o volume inteiro. O vilão consegue arrepiar... ele consegue fazer a gente se preocupar com o destino dos personagens. A sua mentalidade pervertida só poderia ter saído da mente de um autor como King. Ele tem talento para criar vilões torpes e malignos quando quer. Tem alguns momentos da jornada no monotrilho em que a gente fica agoniado com o desenrolar. Ainda ficou alguma coisa por ver no quarto volume em relação a Blaine, mas já fiquei animado demais.
As Terras Devastadas é um volume que criou aquela noção épica tão necessária à Torre Negra. Se antes sabíamos que a jornada de Roland seria perigosa, aqui ficamos sabendo quais são as apostas. O quanto essa jornada pode destruir tanto Roland como várias outras pessoas que não tem interferência direta no que está acontecendo.