Andreia Santana 03/08/2016
Ciranda pernambucana
Rasif - mar que arrebenta navega entre a prosa, a prosa poética e a poesia impura, sem métricas ou rimas, mas em estado de enlevo. Os contos reunidos no livro falam do cotidiano, mas com uma aura de mistério e encanto raros, daqueles que só enxerga quem consegue erguer o véu do ordinário.
Amores fugidios, obsessivos, de perdição e desespero, ódios cheios de ternura, resignação e ironia, estão no centro das histórias curtas e imprecisas, com finais muitas vezes abruptos ou construídos como o clímax de um verso, os acordes finais de uma canção, uma brincadeira de roda meio alucinada.
Neste livro, não há respeito pela estrutura tradicional do conto. Trata-se de obra iconoclasta, contemporânea. As 17 histórias aqui reunidas passeiam por gêneros e formatos, sem se prender a regras e sem pretensões maiores... além daquela de ferver o sangue do leitor. E faz, e ferve!
O título Rasif revisita a gênese árabe do nome da capital de Pernambuco, Recife. As histórias fincam raízes nos primórdios não só da terra natal, mas do próprio autor, mas sempre com um olhar não linear, fora dos padrões, passional e ao mesmo tempo distante, sem saudade ou nostalgia, mas com um apego ora carinhoso, ora revoltado, às próprias origens.
Rasif me lembra outra leitura recente, também de autor pernambucano, Tangolomango - Ritual das paixões deste mundo, de Raimundo Carrero. No romance de Carrero, sobre o amor incestuoso de uma tia pelo sobrinho e deste sobrinho pela irmã, assim como nos contos de Marcelino Freire em Rasif, o tempo é diluído. E a paisagem do Recife, tal qual esse tempo impossível de medir, também é fluída, ora modorrenta, ora eletrizante.
Nos dois livros, o regente é o mesmo compasso de ciranda louca e meio visionária, um aspecto, creio eu, que é impossível descolar do espírito pernambucano, do modo de ser do povo daquelas bandas.
Rasif é intenso e ao mesmo tempo cálido, como o mar que se encrespa em ondas fortes a ponto de esculpir as rochas; ou aquieta-se na serenidade que espelha o céu.
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