RayLima 05/05/2024
A tragédia grega de Donna Tartt
Livro de estreia de Donna Tartt, autora que se consagrou com o best-seller ?O Pintassilgo?, ?A História Secreta? foi lançado em 1992. Isso já foi uma surpresa pra mim, pois eu jurava que era um livro contemporâneo e que se passava na atualidade. E eu amei isso, pois pessoalmente acho que esse período (fim dos anos 80 e começo dos anos 90) super combina com a estética Dark Academia, talvez por causa do filme ?Sociedade dos Poetas Mortos?, apesar do termo ter surgido apenas em 2010.
Pra quem não sabe, os livros que se encaixam no estilo Dark Academia geralmente tem uma história que se passa num ambiente acadêmico, abordam a arte e a busca pelo conhecimento, temas como moralismo, psicologia e existencialismo. E nesse livro você vai ter isso aos montes.
?É terrível descobrir, na infância, que o indivíduo vive isolado do mundo inteiro, que ninguém e mais nada pode sofrer a dor da sua língua queimada ou joelho ralado, que os sofrimentos e pesares pertencem apenas a cada um. Mais terrível ainda, quando crescemos, é aprender que nenhuma pessoa, por mais que nos ame, pode nos compreender verdadeiramente."
Aqui você acompanha 6 amigos que formam o seleto grupo de estudantes de Julian, professor de Grego renomadíssimo e super excêntrico. Só isso já os torna distintos, despertando a curiosidade e o interesse dos outros alunos de Hampden College. São eles: Henry, Francis, Bunny, Charles, Camilla e Richard, nosso narrador.
A história já começa com a revelação de que um deles foi morto. E pior, que foram eles mesmos os responsáveis por essa morte. À partir daí vamos voltar a um passado recente e acompanhar Richard desde o período em que ele está na Califórnia, onde mora com os pais. Passamos por todo o processo dele entrando na faculdade até ser aceito no curso de Grego e se enturmar com seus novos amigos. Para ser aceito nesse grupinho, formado por pessoas de família rica e/ou influente, Richard vai inventar uma série de mentiras. Ele é um outsider, o mais ?normal? entre eles, por isso e por ser o narrador, ele é o que mais se aproxima de nós leitores. Mas todos eles são personagens complexos e difíceis de se criar uma afinidade. São pessoas com mais defeitos que qualidades, moralmente duvidosos, extremamente vaidosos e egoístas.
"Beleza é terror. O que chamamos de belo provoca arrepios."
Afinal, o que os une?
Inicialmente, a admiração à inteligência e à beleza, assim como os gregos que eles estudam. Posteriormente, o crime que eles cometeram. O mistério do que levou a essa tragédia é o que nos mantém vidrados no livro, mas a escrita de Tartt é o que nos enche os olhos. A autora traz uma certa melancolia e poesia em sua forma de escrever, digna dos clássicos, ao mesmo tempo que traz a sucessão de acontecimentos e reviravoltas dos thrillers modernos. Apesar de os capítulos serem enormes, que geralmente podem tornar a leitura mais lenta, não senti dificuldade em manter o ritmo. A autora também consegue construir personagens com maestria, sentimos que conhecemos tão bem cada um deles que conseguimos perceber nas entrelinhas o que se passa, quando eles estão ?atuando? ou agindo de forma ?suspeita?.
Esse livro nos faz refletir sobre como é tênue a linha que separa o certo e o errado. Ao sabermos desde o início o crime que eles cometem, é quase como se nós leitores fôssemos cúmplices e confidentes desse segredo. Quando as motivações deles se revelam, apesar de ridículas, é até possível entender a lógica sob o ponto de vista deles. O realismo desses personagens é o que nos impressiona, pois esperamos sempre que exista um vilão para que possamos culpar, mas o que existe são pessoas, que apesar de suas excentricidades, são dotadas da dualidade que todo ser humano tem. O bem e o mal, seja em maior ou menor escala, existe em cada um deles.
O final realmente me surpreendeu, pois o livro chegou num ponto que eu já não esperava muita coisa, achava inclusive que tava se entendendo demais, que não precisava ser tão longo. Daí veio uma reviravolta, que pode não ser incrível, mas que veio no momento certo pra causar o impacto correto. Minha única crítica seria apenas sobre o desenvolvimento de Julian, a quem todos eles idolatravam, achei que ele teria mais relevância para a história. Impressionante que esse livro seja a estreia de Donna Tartt, ela demonstra já ter um estilo bem definido, uma escrita segura e personagens instigantes.