R...... 05/01/2018
Li na edição da Martin Claret que, além do texto do romance, tem também considerações do autor e da crítica literária. Essas informações foram interessantes para uma perspectiva da obra antes de iniciar a leitura. Entre outras coisas, o leitor é informado de que é o primeiro romance nortista e esse gênero expressaria a verdadeira identidade brasileira, devido a literatura do sul ser dominada pela influência estrangeira. Fato ao qual o autor era crítico, se opondo declaradamente ao texto de Alencar.
Diante dessas informações, minha leitura fluiu estabelecendo paralelos. Realmente o estilo passa longe do rebuscamento e devaneio romântico, mesmo sendo considerada obra desse movimento. A descrição não tem esse apelo, seja nos cenários ou na caracterização das personagens. Há simplicidade na narrativa e o leitor é instigado sobretudo no contexto em que a história se desenvolveu.
Parece obra naturalista e esse aspecto é evidenciado com questionamentos no último capítulo. Em vez de embarcar na emotividade e drama pessoal das personagens, ele foca o contexto em que essa história ocorreu, com reflexões e críticas sociológicas. Quem leu, entende o que tento expressar.
Os momentos marcantes foram:
- A infância de Jose Gomes (Capítulo IV), onde conhecemos a origem do Cabeleira, após descrições que lhe conferiram a fama cruel. O texto explora a influência do meio sobre o homem, expressas na sociedade sujeita a violência e dependente de ações à altura para a sobrevivência (na visão de Joaquim). Ele é um pai endurecido pela vida, que força o filho Jose Gomes (futuro Cabeleira) a uma personalidade forte em seus conceitos. Indômita e cruel, segundo ele, por necessidade. Tem episódios com maldades que não encontramos em outros autores românticos (pelo menos os que li), de transformação da inocência da infância para o banditismo. Joaquim, o pai, é como Mefistófeles corrompendo a alma de Fausto, ou Iago seduzindo Otelo para maus caminhos. Ambas construções românticas, mas em um melodrama que não parece real, de fantasia afetada, diferente da possibilidade real que Távora procurou retratar e ao final do livro resgata em suas considerações sociológicas.
- A transformação do amor de Luisinha em Cabeleira (a partir do Capítulo X). Pode ser bobo o comentário, mas sabe aquela cena do Rambo se preparando para o quebra pau com as armas? Cabeleira fora impactado e por amor a jovem, o famigerado cangaceiro (conhecido nos sertões de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte) joga fora todas as armas, ficando nu desse peso de desgraças e revestindo-se de nova perspectiva de vida que o faria feliz. Um Rambo ao contrário, né?! Távora não embala devaneios e o texto, por mais que expresse um ideal romântico, é descrito com muita simplicidade no seu todo, sem exageros.
- Claro que o último capítulo é também um momento diferenciado, discursivo sobre falta de oportunidade, injustiça social e impactos da pobreza e ignorância.
Gostei. Não tem nada arrebatador, nesse aspecto é pouco impactante, mas a descrição é mais próxima da realidade em um contexto em que a literatura era dominada por devaneios e construções ilusórias em primeiro plano.
Fiquei intrigado com algo. Afinal, o Cabeleira foi uma personagem real? Um cangaceiro dos idos coloniais? Ainda não encontrei texto conclusivo, mas é certo que é o primeiro romance sobre o cangaço. Ah, e uma curiosidade besta! Gosto de ver as capas dos livros, tentando descobrir algo. Bonita, mas equivocada, pois a a estética de cangaceiro retratada tomou forma com Lampião.
Vale a pena dar uma conferida na adaptação em quadrinhos publicada pela Desiderata. E vou nessa também! Oche! Marrapá...