Livros da Julie 27/06/2020Prêmio literário merecido!"Quanto mais a coisa muda, mais se assemelha a si mesma."
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"são os que mais trabalham os que menos comem, e todo o mundo continua a achar isso muito direito."
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"Dou muito valor aos livros. (...) No tempo da minha própria pré-história, eu os preferia ao mundo real. (...) os livros guardaram pra mim um gostinho de eternidade."
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"Não é covardia viver em conformidade com os sentimentos."
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"Nada se pode fazer contra a morte; em consequência, não se pode fazer nada por ninguém, nada se deve a ninguém: inútil envenenar a própria existência."
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"Que existe de mais irracional do que uma existência normal? É enorme o número de coisas em que a gente é obrigada a não pensar, para ir do começo ao fim do dia, sem se afastar do caminho certo; é enorme o número de recordações que importa repelir, de verdades a evitar."
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"a gente se habitua também a sufocar"
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"Nunca se faria coisa alguma, se se considerasse que tudo é impossível, salvo o que já existe."
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"Como é rara uma paz que não se confunde com o sono!"
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"as perguntas nunca são indiscretas, mas somente as respostas."
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"Se o mal existe em toda parte, não haverá saída possível, nem para a humanidade, nem para nós mesmos."
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"Pagamos sempre os erros que cometemos. Apenas há portas a que os credores não batem jamais, ao passo que há outras que eles arrombam, o que não é justo."
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"As moças são oprimidas sob o peso das proibições; os rapazes, sob o das exigências. Dois tipos de provações igualmente nefastos."
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"Decididamente as pessoas não gostam de se questionar. Todos procuravam salvaguardar os seus sistemas."
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"as mulheres que regulam com tanta felicidade todos os detalhes de sua existência sempre me assustam um pouco."
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"Não se pode levar uma vida correta numa sociedade que não o é. (...) Não há salvação pessoal possível."
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"O único momento em que os problemas comportam uma solução é quando não se apresentam."
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"a palavra não pretende, sempre, mudar a história; é também uma certa maneira de vivê-la."
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Os Mandarins é o primeiro livro do projeto #lendoBeauvoir, criado pelas @hecicandiani e @izabellasepulveda a partir do Clube de Leitura Paris de Histórias (#clubeparisdehistorias). Este foi o segundo romance que li da autora e o que lhe deu o prêmio Goncourt.
Em Paris, após o fim da Segunda Guerra, a vida está prestes a retornar ao normal. Henri e Paule comemoram o Natal com os amigos, mas Henri já não se sente mais à vontade na vida a dois e pretende passar um tempo viajando. Porém Paule ainda sentia um amor doentio, possessivo, de quem não compreende que a vida e as pessoas mudam.
Anne e Robert vão à festa de Natal. Anne, por sua vez, está satisfeita com sua trabalho de psicóloga e com seu casamento. Robert é um marido atencioso e, como Henri e qualquer intelectual à época, é dedicado ao seu partido e aos seus livros.
O livro conta a história de Henri, Anne, seus companheiros e amigos no pós-guerra, rememorando a ocupação nazista na França, a captura de judeus e o trabalho da Resistência francesa e discutindo a divisão do mundo entre Estados Unidos e União Soviética, com prognósticos da Guerra Fria. Era uma época de definições, de aproveitar o fim da guerra para a realização de mudanças políticas e sociais e traçar uma nova estratégia para a França e para o mundo. O livro acompanha intelectuais (os mandarins) que sentiam ter à sua frente a possibilidade de gerar mudanças e revoluções. Ao mesmo tempo, eles se debatiam entre suas convicções e desejos pessoais e políticos.
O livro nos alerta para o fato de que toda ação ou omissão humana é um ato político e para a necessidade de mantermos um senso crítico independente, de modo a não nos furtarmos à nossa consciência e à nossa essência. Ainda, ressalta a importância de se pensar por conta própria, sem seguir uma cartilha ditada por um ou outro partido ou grupo social, sem se deixar levar pelo radicalismo. Como até hoje, há fanáticos por todos os lados, que não conseguem entender que a vida tem muitos tons de cinza e que o extremismo só prejudica o alcance dos objetivos comuns. A colaboração é necessária e as melhores soluções normalmente surgem da contribuição de diferentes tendências.
A narrativa é fluida e entremeada com longas reflexões de Henri e Anne: os pensamentos que os rondam a cada momento e suas grandes dúvidas existenciais, que fazem repensar toda a vida, questionar o passado e duvidar do futuro. Simone traz temas como a escrita, a literatura, os problemas do capitalismo e do comunismo, a interferência da mídia na política, o papel dos intelectuais, o entrelaçamento entre as vidas pública e privada, o autoconhecimento, o individualismo e o coletivismo, o idealismo, o casamento, a redescoberta do amor e do prazer, o ciúme e a possessividade, a relação entre mãe e filha, a maturidade e a velhice. A autora aproveita para destacar o machismo que existia mesmo em um meio liberal, citando as observações depreciativas que se faziam sobre como as mulheres agiam e pensavam e os eternos preconceitos ("Era tão bonita, que normalmente deveria ser estúpida" ou "não gosto das mulheres inteligentes; talvez porque não sejam bastante inteligentes; então querem dar provas da capacidade, falam sem cessar e nada compreendem").
Com personagens que representavam a própria Simone e seu marido, Sartre, Os Mandarins é um excelente retrato da vida na época, suas circunstâncias e escolhas, uma história sobre a importância de se descobrir quem é e de pensar e agir segundo suas próprias convicções, valores e princípios morais, sabendo até que ponto se consegue conviver com a própria consciência.
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