Meury3 31/12/2021
volume I - É indescritível de tão excepcional! Tolstói foi gigante!"
- Ao chegar à praça Arbat, a imensa vastidão do céu escuro e estrelado abriu-se aos olhos de Pierre. Quase no centro daquele céu, acima do bulevar Pretchístienski, rodeado e polvilhado de estrelas por todos os lados, mas destacando-se de todas elas pela proximidade da terra, pairava o imenso e brilhante cometa do ano de 1812, com uma luz branca e uma cauda comprida e voltada para cima, o cometa que, segundo diziam, prenunciava todos os horrores e o fim do mundo. Mas, para Pierre, aquela estrela luminosa, com a cauda comprida e radiante, não despertava nenhum sentimento terrível. Ao contrário, com alegria e com os olhos molhados de lágrimas, Pierre olhava para aquela estrela luminosa que, depois de ter voado por uma vastidão imensurável, numa velocidade indescritível e numa linha em parábola, parecia ter se cravado de repente num local escolhido por ela mesma, no meio do céu negro, assim como uma seta se finca na terra, e ali ficou parada, com a cauda vigorosamente erguida, reluzindo e ostentando a sua luz branca no meio das outras estrelas, inumeráveis e cintilantes. Pierre tinha a impressão de que aquela estrela correspondia plenamente ao que se passava na sua alma, que se aplacava, se reanimava e desabrochava para uma vida nova.
- Às vezes, Pierre se lembrava de uma história que tinha ouvido sobre soldados que, na guerra, sob tiros, dentro das trincheiras, quando não tinham nada para fazer, procuravam ferrenhamente uma ocupação, a fim de suportar melhor o perigo. E para Pierre todas as pessoas pareciam soldados que fugiam da vida: uns pela ambição, outros pelas cartas, uns pela redação de leis, outros pelas mulheres, uns pelas brincadeiras, outros pelos cavalos, uns pela política, outros pela caça, uns pelo vinho, outros pelos assuntos de Estado. "Não existe nada insignificante, nem nada importante, é tudo a mesma coisa; a questão é fugir dela, de um jeito ou de outro!", pensou Pierre. "A questão é não ver a ela, essa terrível ela!
(...) Príncipe Andrei: Por que me debato, por que me preocupo tanto nesse âmbito estreito, fechado, quando a vida, a vida inteira, com todas as suas alegrias, está aberta para mim?", disse consigo. E, pela primeira vez desde muito tempo, pôs-se a fazer planos felizes para o futuro. Resolveu que devia cuidar da educação do filho, achar um educador que se incumbisse dele; depois, era preciso pedir demissão e ir para o exterior, ver a Inglaterra, a Suíça, a Itália. "Tenho de desfrutar a minha liberdade enquanto sinto em mim a energia e a juventude", disse consigo. "Pierre tinha razão quando disse que era preciso acreditar na possibilidade da felicidade para ser feliz, e eu agora acredito nela. Que os mortos enterrem os mortos, mas, enquanto estou vivo, é preciso viver e ser feliz", pensou.
- Contemple o seu interior com olhos espirituais e pergunte a si mesmo se está satisfeito consigo. O que você alcançou, guiado apenas pela razão? O que é você? O senhor é jovem, é rico, é inteligente, instruído, meu senhor. O que o senhor fez de todas essas bênçãos que lhe foram concedidas? Está satisfeito consigo e com a sua vida? - Não, eu odeio a minha vida - respondeu Pierre, de sobrancelhas franzidas. - Você odeia, então mude a sua vida, purifique-se, e por meio da purificação conhecerá a sabedoria. Observe a sua vida, meu senhor.
- Principe Andrei: Mas cada um vive ao seu jeito: você vivia para si e diz que assim, por pouco, não destruiu a própria vida, e que só descobriu a felicidade quando passou a viver para os outros. No entanto, eu experimentei o contrário. Eu vivia para a glória. (E, afinal, o que é a glória? O mesmo amor pelos outros, o desejo de fazer algo para eles, o desejo de receber os seus elogios.) Assim, eu vivia para os outros e não digo que por pouco não destruí a minha vida, mas que a destruí por completo. E, desde que passei a viver só para mim, fiquei tranquilo.
- Pierre: O que é ruim? O que é bom? O que se deve amar, e o que se deve odiar? Para que se deve viver e o que eu sou? O que é a vida, o que é a morte? Que força governa tudo?", ele se perguntava. E não havia resposta para nenhuma dessas perguntas, a não ser uma resposta sem lógica, e que nem mesmo respondia a tais perguntas. A resposta era a seguinte: "Você vai morrer e tudo vai terminar. Você vai morrer e vai ficar sabendo de tudo... ou vai parar de perguntar". Mas morrer também era terrível. A vendedora de bordados de Torjók, com voz esganiçada, oferecia as suas mercadorias e, em especial, chinelos de couro de cabra. "Possuo centenas de rublos, com os quais não tenho a menor ideia do que fazer, enquanto ela está aí com o seu casaco esburacado e me olha com timidez", pensou Pierre. "E para que ela precisa desse dinheiro? Por acaso esse dinheiro pode lhe trazer um pingo de felicidade, de serenidade de espírito? Por acaso alguma coisa neste mundo pode deixar a ela e a mim menos sujeitos ao mal e à morte? A morte, que põe um fim a tudo e que pode vir hoje ou amanhã... isso não faz diferença, é só um instante em com paração com a eternidade." E de novo ele apertou o parafuso que não encontrava resistência em nada e, tal como antes, o parafuso girou sem sair do lugar.
- Nunca na casa dos Rostóv a atmosfera amorosa se fizera sentir com tanta força como naqueles feriados. "Agarre os minutos de felicidade, faça-se amar e apaixone-se também! Só isso é real no mundo, o resto é bobagem. E aqui, nós só estamos interessados nisso", dizia aquela atmosfera.
- Que coisa horrível é a guerra, que coisa horrível!
- Como é possível estar saudável... quando se sofre moralmente? Acaso é possível estar calma em nosso tempo, se a pessoa tem sentimentos??