Thiago Barbosa Santos 20/07/2018
Uma história sobre amizade
Não conheço o Norte do Brasil. Mas desde quando comecei a ler Milton Hatoum despertou em mim uma certa curiosidade de conhecer o Amazonas, a Manaus tão bem retratada pelo autor. Hatoum descreve as coisas de sua terra com o mesmo amor que Jorge Amado escreve sobre a Bahia, e quem lê fica com vontade de estar naquele lugar, conhecer aqueles cenários, ter contato com aquele povo.
Em "Cinzas do Norte", terceiro romance de Milton Hatoum, o ambiente é a Manaus dos anos 50 e 60. Dois meninos, Lavo e Mundo, travam uma amizade que resiste ao tempo, mesmo os caminhos seguindo por caminhos opostos na vida adulta. A história é narrada por Lavo, um menino órfão criado pelos tios em condições muito humildes. Mundo nasceu em família rica, tem uma relação conflituosa com o pai, um poderoso da região, quer quer vê-lo sucessor nos seus negócios. Porém, o menino desde cedo se mostra revoltado com o pai, quer ser um artista plástico, incentivado por um artista da terra.
Observamos no livro, sempre sob o ponto de vista do amigo narrador, os conflitos do garoto com o pai, os constantes desentendimentos e como essa relação vai se tornando insustentável. A mãe de Mundo também nasceu na miséria. Tinha um relacionamento amoroso na juventude com Ranulfo, tio de Lavo, até conhecer o rico e poderoso Trajano, com quem se casou.
Mesmo casada, ela continuou tendo uma relação próxima com Ranulfo, seu amor de juventude. O tio de Lavo também era próximo de Mundo, os dois tinham uma bonita amizade. Ao fim de alguns capítulos, Hatoum coloca cartas escritas por Ranulfo para Mundo. Durante a leitura, aos poucos, somos induzidos a acreditar que, na verdade, o garoto é filho do antigo namorado da mãe.
O tempo passa, Trajano morre, Mundo e Alícia vão morar no Rio. Lavo fica em Manaus, segue seus estudos e se torna um advogado. A vida vai ganhando contornos difíceis para o amigo artista. Ele vai morar na Europa para se aventurar na vida de artista, algo que não dá muito certo, pois se mete em inúmeras confusões. A mãe torra todo o dinheiro da herança em jogatina. Mundo volta para o Rio. É um período nebuloso, em pleno regime militar. Mundo é um rebelde natural, acaba preso, torturado e pouco tempo depois morre.
O fim do livro é tocante, quando Lavo vai para o Rio, reencontre Alícia e as verdades começam a ser reveladas. O desfecho é surpreendente e revela um fato novo sobre a vida de Alícia e de quem é o verdadeiro pai de Mundo. Mais uma obra-prima do mestre Hatoum.