Henrique Fendrich 16/10/2021
Jiří Weil é um escritor fabuloso, dos melhores que a República Tcheca produziu, e não foi à toa que recebeu muitos elogios do Philip Roth, manifestados por meio de prefácios. Entretanto, ainda estamos aguardando o momento em que as suas maravilhas estrearão em português. O espanhol já tem as suas duas obras fundamentais, o poderoso "Vida con estrella" e esse fantástico "Mendelssohn en el tejado", ambos relacionados à realidade dos judeus durante a ocupação nazista da Tchecoslováquia.
Esse "Mendelssohn en el tejado" parte de um mote divertidíssimo. Heydrich, o líder nazista da Tchecoslováquia, havia mandado que subordinados dessem um jeito de tirar do topo de uma sala de concertos em Praga a estátua de Mendelssohn, porque ele era judeu. Acontece que ninguém ali sabia qual das várias estátuas ali existentes era de Mendelssohn, e faltou pouco para que derrubassem equivocadamente a de Wagner, cultuado pelo Reich.
Então a primeira metade do livro é, em essência, composta por várias situações singulares sobre a dificuldade dos nazistas em identificar a estátua correta e cumprir a missão de Heydrich, inclusive tendo que apelar para um judeu erudito que, contudo, tampouco sabia quem era Mendelssohn, já que para ele não se tratava de um judeu. Todos os regimes autoritários acabam criando situações cômicas e absurdas como as descritas por Weil.
Conforme a história se desenvolve, percebe-se que o próprio conceito de "estátua" tem uma grande relevância simbólica no livro, pois tanto é associada à frieza dos nazistas em executar as suas missões como à sensação de impotência dos judeus diante da tragédia vivenciada. Eventualmente, a própria morte é comparada a uma estátua, pelo menos para nós, que não vemos seu movimento, não percebemos que se aproxima calmamente, até o bote fatal.
Na segunda metade do livro, pareceu-me que o enredo se dilui mais, dividido entre vários personagens e suas histórias tanto na Praga ocupada como no campo de concentração que os nazistas criaram em Terezín. Weil foca em diversas histórias individuais e assim procura traçar um painel do que foi esse período, abordando os diferentes tipos de dramas que acometeram as pessoas, desde aqueles que procuravam resistir ao inimigo até aqueles que, na esperança de conseguir escapar, enganaram-se achando que podiam colaborar com ele.
Há histórias dramáticas e muito tocantes, sendo perceptível o olhar atento e sensível do autor, mas elas estão mais para instantâneos, pequenos flashes, cujo desfecho individual não parece ser tão importante quanto o que aquilo significava de maneira coletiva. Embora nunca o livro tenha deixado de ser muito interessante, eu achei que houve, com essa estratégia, um pouco de perda da unidade do livro, cuja primeira metade me pareceu mais "redondinha".
Apenas por essa observação é que não dei 5 estrelas, como dei para "Vida con estrella", livro magistral em que não encontrei o mesmo tipo de problema. No finalzinho, porém, há como que uma retomada ao importante conceito-símbolo de "estátua", quando o autor o opõe ao de "árvore", e com isso é como se opusesse, contra a morte, a própria vida. Escritor fabuloso!