Ale 05/03/2023
Encantador
No poema homérico cada evento tem a sua explicação, inclusive as motivações psicológicas." (Warner Jaeger)
Apesar de pertencerem a "uma época em que os homens eram mais fortes, mais corajosos e maiores do que são hoje, um mundo no qual os homens e deuses coversavam frente a frente", como diz Bernard Knox na sua maravilhosa introdução, os herois homéricos também vivem, assim como qualquer homem comum, no meio do erro, da dúvida e do pecado. Por isso, diferente do que eu imaginei que seria, é tão facil se conectar com esses versos escritos há mais ou menos 2700 anos atrás.
Encantador! Não consigo pensar melhor adjetivo para o retorno de Odisseu até seu reino na pequena ilha de Itáca.
É impressionante a capacidade que os poemas homéricos tem de encantar, mesmo com descrições das situações mais abjetas do gênero humano. Guerra, fome, traição, ausência da figura paterna e mais e mais desgraças que acometeram e continuarão acometendo os homens até o fim dos tempos, tem um valor especial nos poemas homéricos. São nas maiores desgraças que acometem tantos herois, durante e após a guerra de Troia, que se situa o elemento capaz de causar sortilégio e, surpreendentemente, encanto!
Pra mim é facil fazer uma analogia entre o conjunto dos 24 cantos que compõem a "Odisséia", e a própria figura de Jesus: em ambos os casos, é durante as situações mais deploráveis e injustas que encontramos a oportunidade de reconhecer as maiores maravilhas que a vida pode proporcionar! Assim como o crucifixo, antes instrumento de tortura e punição, transforma-se, por intermédio de Jesus, em símbolo de esperança e salvação, também os vários sofrimentos que atingem os homens, transformam-se, por intermédio desses poemas, nos mais eficazes remédios para a alma.
É na hostil mansão do Hades que Odisseu tem a oportunidade de reencontrar a falecida mãe, para sentir pela ultima vez o calor do amor materno; é como mendigo imponente que ele finalmente retorna a Itáca após 20 longos anos; é no casebre do porqueiro do seu próprio reino que Odisseu pode dar o primeiro abraço em Telêmaco, seu filho; é no seu leito de morte, que Argos, cão de Odisseu, o reconhece, apesar de tanto tempo longe do dono, que se apresenta com um aspecto totalmente alterado. Acho lindo esse contraste entre as situações mais maravilhosas diante das piores condições...
Seria um crime não recomendar essa leitura para todos os homens!