spoiler visualizarHenrique Fendrich 14/07/2021
Livro soberbo. Gostei tanto do modo como Hrabal contou sobre a rotina de uma pequena estação tchecoslovaca durante a Segunda Guerra Mundial que resolvi ver o flime inspirado no livro, que inclusive ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 1968. E aí, como seria de se esperar, decepcionei-me, pois o filme "Trens estreitamente vigiados", além de contar com um inexplicável erro na tradução em português (o certo seria "estritamente") está abaixo do filme.
Eu sei que o Hrabal esteve trabalhando junto no roteiro do filme, sei até que ele deu a entender que o filme era melhor que o seu livro, mas para mim não é. A começar pelo personagem principal, que no livro não é tão parvo quanto o do filme. Era, de fato, um tanto inocente, mas também tinha uma centelha de loucura que o impelia à ação. No filme isso não transparece, mas tão somente a total falta de jeito do personagem. Assim se torna menos crível que ele tenha tomado parte em um atentado a um comboio alemão.
O mais grave, para mim, no entanto, é justamente a cena do atentado, porque é o momento de maior tensão no livro e se lê com muita avidez, esperando o que vai acontecer, e nada disso foi muito explorado no filme, a ponto de dedicarem a isso três míseros minutos.
Ao ler o livro, eu fiquei pensando que extraordinário não seria um filme mostrando toda a aventura que foi estar pendurado num sinaleiro e jogar explosivos dentro do comboio, sob a Lua, sob a neve, e depois o confronto com o soldado alemão, os ferimentos e a agonia mútua, tudo aquilo que Hrabal descreveu tão brilhantemente no final do livro. Aí eu vi o filme e não encontrei nada do que esperava. No livro, o atentado sequer é de noite, botaram de dia mesmo. Enfim, como essa, várias outras coisinhas me desagradaram no filme.
Em relação especificamente ao livro, notei pela primeira vez a influência de Jaroslav Hašek, que diziam ser uma das principais em Hrabal, pois ele realmente criou situações divertidas que lembram as do bom soldado Švejk, o clássico de Hašek. Principalmente nos diálogos com o chefe da estação, um personagem muito singular que vivia às voltas com suas pombas, ao mesmo tempos que proferia engraçadíssimos discursos moralistas.
Há o impagável mote da mulher que teve o seu traseiro todo carimbado por um dos trabalhadores da estação, em um momento de "intimidade" entre eles, o que rende uma investigação disciplinar na qual há perguntas como "esse traseiro é o seu?", diante de uma foto". Também é divertido ver o personagem principal confessando às mulheres que sofre de ejaculação precoce, depois de uma má sucedida transa com uma moça que também trabalhava no sistema ferroviário (e da qual eu também não gostei muito no filme).
Mas o livro não é apenas divertido, ele conta com a tentativa de suicídio do personagem, cortando os pulsos, e, como disse, na parte final o livro é inclusive tenso. Há ainda todo o aspecto histórico e político da trama, que é bastante interessante. Em todo momento, porém, a leitura é agradável e envolvente, além de se tratar de obra curtinha.