josemaltaca 15/07/2021
Termina antes de começar
Os Trabalhos de Hércules, livro publicado em 1947 por Agatha Christie, conta com uma série de pequenos contos em que o famigerado detetive belga Hercule Poirot resolve crimes e desenreda tramas que estão de alguma forma ligadas aos 12 trabalhos desempenhados pelo heroi grego. Assim, antes de se aposentar definitivamente, Poirot quer provar a si mesmo e alimentar o seu ego mostrando que consegue ser tão heroico e tão formidável quanto Hércules, e assim, como de praxe, vamos descobrindo personagens e situações misteriosas em cada um dos enredos, que são solucionados pelo detetive belga com sua tradicional análise psicológica das pessoas envolvidas.
Para quem já conhece as peripécias do detetive e sua habitual afetação, é sempre uma dádiva encontrá-lo nas histórias de Christie, que consegue trazer a sensação ao leitor de que está na presença de um velho amigo. Todavia, creio que pela frequência excessiva com que ele dá as caras neste livro, a autora passou um pouco do ponto. Acompanhar as excentricidades por algumas páginas e retornar à sanidade é um deleite, mas habitar a esquisitice por páginas a fio é uma tarefa que, não obstante a linguagem fácil, torna-se maçante. Ademais, cada conto causa uma sensação de tarefa inacabada, de interrupção para uma solução rápida, uma vez que vários deles trazem personagens interessantes e que mereceriam uma exploração mais extensa. Quando a história começa a engrenar, acontece uma reviravolta e o conto acaba.
Assim, o maior trunfo dos livros da escritora inglesa acaba indo para o brejo: as histórias começam a se tornar previsíveis e repetitivas. O carisma de Poirot é utilizado demasiadamente e suas deduções começam a parecer sempre a mesma ladainha, o que é fatal para a imersão nas histórias de Christie. Longe de desmerecer a Rainha do Crime, cujas melhores obras se centram em Poirot e trazem uma trama cheia de reviravoltas, mas superficialidade e simplicidade têm um limite para prender a atenção do leitor. Aqui, a autora definitivamente passa do ponto, uma vez que as histórias acabam antes de começar efetivamente. É uma lástima, mas após ler obras excelentes da autora, as expectativas sobem um bocado. Logo, não recomendo iniciar a leitura da autora por este livro, mas para os leitores que tiverem um apreço por Poirot, recomendo que leiam com cautela, pois uma piada contada 12 vezes em um mesmo livro acaba perdendo a graça.