Queria Estar Lendo 18/07/2018
Resenha: Correndo Descalça
Correndo Descalça é o novo título da autora Amy Harmon - a mesma de Beleza Perdida. Publicado aqui pela Editora Verus - que cedeu o exemplar para resenha - é uma história sobre tragédias e sobre encontrar forças e detalhes em que se prender para não se perder. É uma obra delicada e tocante sobre o poder dos recomeços.
Na trama, acompanhamos a vida de Josie. Ela perdeu a mãe precocemente e acabou por carregar todas as responsabilidades da vida adulta muito cedo, cuidando da casa, dos irmãos e do pai quando deveria estar cuidando da própria adolescência. Com essa realidade, veio o distanciamento de tudo que pertencia à sua idade e uma realidade que ela jamais conseguiria viver. Sem querer, Josie acabou se afastando do mundo, encontrando na solidão a sua melhor companhia.
Até que ela conhece Samuel. O garoto é revoltado e sombrio e parece afastar todos que se aproximam dele, exceto Josie. Ela vê nele o coração de ouro e o espírito abençoado, um amigo para as horas mais difíceis, e decide que quer tê-lo ao seu lado sempre. Mas a vida, com suas complicações, acaba por afastá-los. E a história do livro acompanha toda a trajetória dessa amizade inesperada que, com os anos, se desenvolve em algo mais.
Quando peguei o livro, não esperava encontrar uma história tão sensível e delicada quanto a que a autora entregou. Correndo Descalça fala muito sobre perdas, fé e sobre se reencontrar em meio à tragédias e à falta de esperança; de possibilidades. Josie viu muito dos horrores da vida e aceitou uma realidade ínfima porque torná-la confortável, e o questionamento principal que a trama aborda é se isso é suficiente. Se o conforto vale mais a pena do que os riscos para buscar algo mais.
"Existe uma música silenciosa na alegria, e a música daquela manhã ainda faz meu coração doer quando me permito revisitá-la."
Eu gostei bastante do arco principal da protagonista. Josie é uma personagem empática, fácil de gostar. Ela é gentil, doce e praticamente o sinônimo de altruísmo. Dá até um pouco de nervoso o tanto que ela sacrifica pelas pessoas que ama, sem nem mesmo perceber. Para ela, viver pelos outros é o suficiente porque é tudo o que foi oferecido desde que era pequena. Não é submissão e nem uma servidão, é o que Josie acredita ser o melhor - não significa que seja, mas também não existe espaço para questionamento. Pelo menos não no começo.
Seu arco de desenvolvimento envolve abrir os olhos para isso. Para o fato de ter dado as costas para tantas oportunidades por causa do medo, do trauma que as perdas e as tragédias ao redor da sua vida instauraram em sua consciência. Josie sofreu muito; não é nem exagero falar o quanto ela é coitada. O fato de o livro mostrar isso como uma oportunidade, como ela poderia extrair esperança da dor, é uma mensagem muito bonita. O fato de mesmo as tragédias abrirem espaço para luz e para se reerguer.
E a paixão da Josie pela música clássica, por composições e por seus artistas, o tanto que ela se relaciona com as histórias delas e das melodias criadas, é tudo imprescindível para entender a caminhada da protagonista. A música se entrelaça à sua vida e a tudo pelo que Josie passa, é seu caminho.
"- Acho que eu tenho ouvido para música, e o ritmo da sua voz é como música para mim."
Do outro lado da moeda temos Samuel; uma incógnita, num primeiro momento e por boa parte da trama. Sabemos que ele é descendente do índios navajos, que é amargo e recluso pelo julgamento e pelo preconceito de ambos os lados das realidades em que vive. Sabemos que a diferença de idade entre ele e a Josie é um problema por questão de vivências, de ele ter visto mais do mundo e entendido mais dele do que a garota ingênua da qual ele se aproxima e se torna amigo num primeiro momento. E, com os anos que se passam e as novas experiências que ambos ganham, a trama soma isso à carga dramática que Samuel e Josie carregam - e que vão usar quando forem interagir novamente.
Diferente da Josie, Samuel é muito de reação e de revolta. Um contraponto interessante; às vezes revoltante demais, mas compreensível. Samuel se enquadra naquele estilo de personagem que sofre e reage com frieza e faz sentido se portar assim. Você entende seus dramas e rancores, entende as confusões e o distanciamento. Entende o quanto a amizade de Josie é importante para ele em um momento de sua vida, e o quanto a reaproximação - depois de anos de distância - é essencial para que Samuel se reencontre.
O fato de Correndo Descalça ter esse salto temporal é grandioso para o desenvolvimento da parte romântica. Como eu mencionei, o começo mostra a amizade e a aproximação e deixa claro que a diferença de idade é um problema para qualquer outra coisa que ousasse existir, mas nunca existe - tive medo disso, inclusive, mas a trama tratou com sensibilidade e soube mostrar que Samuel, quase um adulto, não poderia jamais se relacionar com uma adolescente.
O salto temporal acontece, e aí temos a entrada de um relacionamento mais intenso; em corações magoados que se reencontram e parecem pedir por um recomeço, agora com o envolvimento romântico.
A obra dá espaço para discussões sobre luto, religiosidade e preconceito. Relacionamentos com a família, principalmente, são o background de ambos os personagens principais. Josie usa a música, Samuel as lendas navajo, e ambos se encontram em meio a essas duas coisas que são pontos maravilhosos de suas personalidades - de quem eles são. O arco envolvendo os navajo, inclusive, foi uma das melhores coisas do livro. Sensibilidade e sensatez imperaram a narrativa ao falar sobre a cultura e a ambientação dessa parte da vida do Samuel.
"Solidão não me incomodava. Era melhor que a piedade das pessoas me pressionando por todos os lados."
Correndo Descalça é o tipo de leitura perfeita para quem gosta de histórias sobre amizade, companheirismo e um bom romance - o tipo de amor que nasce do entendimento, do apoio e da esperança, principalmente.
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