Helder 18/09/2022Pequena Imersão na Coreia do NorteVolta ao Mundo – 36º pais – Coreia do Norte
Como todos sabemos, ou como pouco sabemos, Coreia do Norte é um dos países mais fechados do mundo, portanto ao realizar minha pesquisa por títulos de diversos países do mundo, achei poucos títulos norte coreanos traduzidos para o português, e dentre os que achei, este com certeza me pareceu o título mais interessante, devido as diversas lendas que cercam este texto e principalmente seu autor.
De acordo com o prefácio e o posfácio de A Acusação, Bandi, seu autor, não é um dissidente norte coreano que fugiu do país e vive no exilio. Aparentemente, Bandi ainda vive na Coreia do Norte até hoje e trabalha para o governo coreano escrevendo literatura norte coreana de acordo com as regras de propaganda definidas pelo governo ditatorial. Porém, em paralelo, conseguiu escrever diversos contos que mostram a realidade deste país tão fechado e com alguma sorte conseguiu fazer com que estes textos chegassem até o Ocidente, onde foram transformados neste livro sensacional e muitas vezes doloroso.
A Acusação – Histórias proibidas da Coreia do Norte é um livro com sete contos, onde o autor vai nos mostrando como funciona este país tão misterioso, e é difícil para nós que vivemos em “liberdade”, entender como o povo se submete a viver sendo constantemente vigiado e tendo que seguir diversas regras, em um medo eterno, pois qualquer mínimo deslize pode configurar traição a pátria, e trazer consequências gravíssimas para as pessoas e para seus familiares. Às vezes, até por diversas gerações.
Segue abaixo um pequeno resumo de cada um destes contos:
Relatos de uma deserção: Já no 1o conto conhecemos a história de um rapaz que é mau visto pela sociedade porque seu pai foi considerado um traidor da pátria. Ele consegue casar-se, mas descobre que sua esposa não quer ter filhos para que estes não sofram a mesma rejeição que o pai sofre na sociedade. Uma triste história, onde o passado é um estigma a ser carregado por todas as futuras gerações. O personagem desconfia que sua esposa o está traindo, quando na verdade ela está é tentando protegê-lo. Até que percebem que a única maneira de viver é saindo dali.
Cidade dos Espectros. Um dia, uma mãe ao brincar com seu filho pequeno, diz que se ele não se comportar será pego por um Eobi, um monstro do folclore coreano e para exemplificar o monstro, mostra ao menino uma foto de Karl Marx. A partir daí, o menino passa a ter um medo mortal de Marx, uma atitude considerada subversiva pelo governo. A mãe consegue esconder esta característica do filho, até que um dia um cartaz enorme de Marx é colocado na praça publica em frente ao apto da família, o que faz com que a criança não pare mais de chorar. A mãe pede permissão para colocar uma cortina blackout em seu apto, mas suas motivações fazem a família cair em desgraça.
A Vida de Um corcel Veloz: Neste conto conhecemos dois amigos cujos pais plantaram uma arvore no quintal no início do regime comunista e acreditando na promessa do governo, disseram aos filhos que quando aquela arvore tivesse frutos, a vida na Coreia do Norte já seria perfeita com direito a “arroz branco purinho com carne todo dia, roupas de seda e uma casa com telhas”. Porém o tempo passou e mesmo após muito esforço, nada disso aconteceu, e agora, depois de anos de trabalho sem ainda encontrar esta graça prometida pelo sistema comunista, o governo decidiu cortar esta arvore.
Tão Longe, Tão Perto: um dos textos mais tristes do livro. Um rapaz precisa de permissão do partido para visitar sua mãe que está morrendo em outra cidade, porém não consegue passar pela burocracia do sistema. Incrível você ver o controle que o governo exerce sobre a vida do povo norte coreano. A gaiola com cotovias na varanda é uma clara metáfora da vida daquele personagem. No caso deste rapaz, todos os passos foram escolhidos pelo governo até hoje. Quando se alistou no exército, todos os empregos futuros e cidades onde morar. Ai a única maneira é tentar chegar até sua mãe escondido. Mas como andar contra o sistema?
Pandemônio: Uma família precisa pegar o trem para ir a casa de um dos filhos e pegar uma bexiga de javali para ajudar no pós-parto de sua outra filha. Porém as linhas de trem e estradas estão bloqueadas para receber Kim Il-sung, o ditador. Enquanto pessoas são pisoteadas nas estações, a avó acaba conseguindo uma carona com o próprio ditador e passa a ser usada como uma representante da propaganda do “governo que se importa com o povo”. Muito cinismo e ironia e mais uma vez um conto doloroso, que nos mostra a realidade norte coreana versus a versão que o governo deseja que as pessoas acreditem.
No Palco: Yeong-pyo acredita que seu filho tenha uma doença incurável: Não gostar do comunismo. Porém o jovem é obrigado a representar uma peça com fome, e sua falta de senso de humor causa problemas com o partido. Agora, para piorar ele está apaixonado pela filha de um preso político. No fim, o pai percebe que tudo o que o filho estava fazendo era buscar flores para o velório de Kin Il-sung, mas são tantas pessoas espionando a vida dos outros que fica difícil saber o que é verdade ou não. “Num lugar em que as emoções são reprimidas e as ações são monitoradas, a encenação se torna onipresente, e é tão convincente que chegamos a enganar a nós mesmos”
Cogumelo Vermelho: O conto mais cruel e surreal deste livro. Um jornalista precisa escrever uma reportagem na qual não acredita em nada e acaba descobrindo um esquema do governo para enganar mais ainda o povo. E no meio disso tudo está um homem que se doou o máximo possível ao regime. Impossível não se emocionar com este conto e também ter muita raiva.
Resumindo, ler este livro foi uma experiencia riquíssima e casou perfeitamente com a minha ideia de volta ao mundo através da literatura.
Recomendo!