André Foltran 18/03/2019O pai eternoKatherine Mansfield era dessa estirpe de escritoras que dizem até quando calam, que usam o não dito como principal matéria-prima. O conto "As filhas do falecido coronel" é como um vulto. Morto o pai, as duas irmãs solteiras tem de lidar agora com o corpo, a casa, as memórias, os fantasmas. Um fantasma em cada porta fechada, em cada informação omitida, em cada frase abortada, em cada fala inconclusa. Morto o pai, as duas irmãs solteiras tem lidar agora com suas próprias vidas. Mas como começar se o pai parece ainda sempre à espreita? Um pai oculto, de quem só nos é permitido ter alguns vislumbres. Como começar se o pai segue pesando tanto? Um peso talvez eterno.
"Josephine só conseguia olhar fixamente. Tinha a sensação extraordinária de que acabara de escapar de algo simplesmente terrível. Mas como poderia explicar a Constantia que o pai estava na cômoda? Estava na gaveta de cima, com seus lenços e gravatas, ou na próxima, com suas camisas e pijamas, ou na mais baixa de todas, com todos seus ternos. Estava à espreita, escondido -- logo atrás da maçaneta --, pronto para saltar." (p. 44)