O cigano e outras histórias

O cigano e outras histórias D. H. Lawrence




Resenhas - O cigano e outras histórias


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jota 18/10/2018

Tensão, desejo e muito mais...
Eis algumas obras de David Herbert Lawrence (1885-1930) que considero das melhores que ele escreveu: Filhos e Amantes (1913), O Arco-Iris (1915), Mulheres Apaixonadas (1920), Apenas Uma Mulher (1922), A Serpente Emplumada (1926), O Amante de Lady Chatterley (1928). No entanto eu nunca havia lido uma coletânea de histórias curtas dele, caso deste O Cigano e Outras Histórias, que traz cinco novelas, embora duas ou três delas se assemelhem muito mais a contos, não são tão extensas. Li Apenas Uma Mulher numa edição antiga, que trazia apenas esse texto, diferentemente da edição da BestBolso, que trás vários.

Abaixo vai um resumo de cada uma: em todas, de um modo ou de outro, há sempre, explicitamente ou nas entrelinhas, uma espécie de tensão sexual que percorre o relacionamento dos personagens. Daí que muitos têm D. H. Lawrence como um autor cujo tema principal seria o erotismo, ainda mais que sua obra de maior projeção, O Amante de Lady Chatterley, acabou se tornando um clássico do gênero. D. H. viveu numa época em que a rígida moral vitoriana orientava as relações entre as pessoas e as barreiras de classe contribuíam fortemente para dificultar as liberdades individuais. Ele habilmente transportou todos esses sentimentos e a psicologia de seu tempo para sua obra, o que o tornou um dos autores mais destacados da língua inglesa no século XX.

As Filhas do Pastor é uma novela de 1911 que tem como cenário Aldecross, vilarejo cuja principal atividade econômica é a extração de carvão. Mesmo ali os sentimentos de classe pesam na vida de todos. O pastor Lindley e a mulher se relacionam muito pouco com os paroquianos, gente simples, rude e hostil, pois se consideram membros da classe alta ou eclesiástica. Essa quase inexistência de vida social transmite ao leitor um clima sombrio, de incapacidade de dar e receber afeto e carinho. Assim é que uma das filhas, Mary, em obediência aos pais, acaba se casando com pastor de outro vicariato. O sr. Massy, diplomado em Oxford, não tem nenhum atrativo físico mas tem títulos e oferece segurança à filha. Mary não ama o marido, apenas o respeita. Louisa, a outra filha, não quer para si destino semelhante ao da irmã: ela se apaixona por Albert, rapaz pobre que trabalha nas minas. Ele é bom filho, cuida da mãe viúva, bebe pouco, é trabalhador e sobretudo bastante atraente fisicamente. Numa noite Louisa se entrega a ele. O pastor e a mulher são contra o casamento dos dois: sentiriam vergonha em ter como genro um trabalhador das minas de carvão. Ameaçados em seu amor, a Louisa e Albert resta apenas tomar uma decisão drástica. E eles a tomam. (4 estrelas)

A segunda história é bem mais curta do que a primeira: O Espinho da Carne tende mais para conto longo do que novela. Foi escrita em 1914 e é sobre Bachmann, jovem militar que luta contra seus medos e deficiências, chegando mesmo a urinar no uniforme de tão preocupado que está em sair-se bem nos exercícios físicos sob o comando de seu duro sargento, sempre acha que não vai conseguir. Durante um treinamento a que os soldados são submetidos o pior acontece: sem querer, assustado pelos gritos do sargento, derruba-o de certa altura dentro de um fosso. Foge dali sem pensar nas consequências e depois busca refúgio numa casa de fazenda, onde Emilie, sua namorada, trabalha e promete ajudá-lo. Conta com ela para fugir para a França, onde reside sua mãe, depois para a América. No dia seguinte fica sabendo que o sargento está hospitalizado, quebrou o pé. Os jovens transam pela primeira vez e daí aquela carne do título. Na outra manhã soldados aparecem na fazenda perguntando sobre o fugitivo. Um detalhe escapou aos amantes. (3 estrelas e meia)

Um Estilhaço de Vitral também é um conto longo que D. H. Lawrence publicou em sua versão final em 1914. O narrador nos apresenta o vigário da paróquia de Beauvale, que também é arqueólogo e coleciona antigas peças. O título vem de um trecho logo no início, retirado de um pergaminho da época medieval, em posse do vigário. Ele está trabalhando numa bíblia do povo inglês, como a chama. No pergaminho é mencionado o aparecimento de um demônio, durante um culto na Abadia de Beauvale, que destrói, transforma em estilhaços a imagem santa de um vitral, geme e zurra e enche a capela com seu hálito maligno. Mas é intimidado e expulso pelo santo que rapidamente desceu dos céus em defesa dos fieis. Esta história serve de moldura para outra que o religioso conta ao narrador, desta vez sobre um rapaz e uma garota em fuga; ele era cavalariço e estava sendo perseguido por outros homens por ter matado um cavalo que o mordera no estábulo onde trabalhava. Esta segunda narrativa também envolve elementos místicos, nem sempre parece muito clara e termina abruptamente. Há muita discussão acadêmica na Inglaterra sobre seu significado. Ou significados... (3 estrelas)

O Oficial Prussiano é a quarta história do volume e também foi publicada em 1914. É um dos contos mais conhecidos de D. H. Lawrence e narra a estranha relação entre dois soldados alemães, um capitão e seu ordenança. O oficial tem quarenta anos, é solteiro, tem amantes ocasionais. Descende de nobres poloneses, é orgulhoso e despótico. Trata estupidamente, como a um animal, o ordenança de vinte e dois anos, Schöner, que Lawrence descreve como um jovem muito atraente, além de possuir outros atributos. O capitão sente prazer em humilhar e até mesmo bater no rapaz por algum pequeno engano ou erro que cometa. Em certa ocasião atira uma pesada luva militar no rosto dele, apenas para ver seus olhos negros brilharem de ódio. Schöner não reage, não reclama nunca: faz tudo o que o outro exige, arbitrariamente muitas vezes, como nesse caso, apenas para humilhá-lo. Serão apenas mais dois meses sob suas ordens, depois estará livre. E o oficial não permite mais que o rapaz saia à noite depois de descobrir que ele se encontrava com a namorada. Schöner se sujeita ao sofrimento, mas seu ódio vai crescendo, mesmo que queira evitar isso. Mas desde o início percebemos que uma hora as coisas acabariam mal, numa explosão de violência incontrolável. E até que isso ocorra o ordenança ainda será castigado e humilhado outras vezes. Há quem veja nessa história um forte componente homoerótico, acima do sádico prazer do capitão em causar humilhação e dor ao rapaz, acima da inveja de sua bela juventude. Na verdade, é-lhe impossível aceitar seus sentimentos por Schöner, e isso faz com que a violência tome o lugar do que poderia ser afeto; é o que explica seu comportamento estúpido. Por fim, um acidente inesperado vai colocar oficial e ordenança lado a lado. (4 estrelas)

Fecha o volume a novela de 1926, O Cigano, também conhecida como A Virgem e o Cigano em outras edições. A principal personagem feminina é Yvette, jovem filha de um reitor anglicano, insatisfeita com a vida que leva, sem grandes perspectivas de futuro a não ser casar-se. Vive numa casa habitada por muitos parentes, dentre eles uma avó de quem não gosta e uma tia mesquinha e venenosa. A mãe fugira com um homem mais jovem e pobre e a tia de Yvette, também seu próprio pai, temem que o mesmo se dê com ela. Isso quase acontece de fato, como se vê no desenvolvimento da história. É que a moça trava amizade com uma família de ciganos que estão acampados nas redondezas. Vivem da venda de vassouras e objetos de latão e cobre. Yvette sente atração pelo chefe deles, um cigano bem-apessoado, casado, pai de vários filhos. Em suas andanças ela também trava amizade com um casal formado por uma mulher judia que está se divorciando para se casar com um jovem oficial que abandonou a carreira militar. A família de Yvette não vê com bons olhos seus novos amigos, claro, essa variedade de comportamentos. Ela cada vez mais sente que não será feliz se continuar vivendo ali, rodeada por seus parentes e se encontrando de vez em quando com os rapazes e moças de sua idade, seus amigos. Além do que, Yvette aos poucos vai percebendo que ama o cigano com mais força, embora em nenhum momento pense em se entregar fisicamente a ele. Nem ele tenta se aproveitar dela quando estão juntos. Um dia ocorre uma catástrofe, as águas destroem uma represa, o rio avança sobre tudo e Yvette quase é levada pelas águas, a casa do pai praticamente desmorona. O cigano, que vinha se despedir dela, o grupo estava de partida, é quem salva a moça. E pela primeira vez seus corpos se encontram unidos, como ela havia sonhado antes. Ao final, a inundação pode ser vista como uma metáfora, que leva embora a velha vida de Yvette e traz a promessa de mudança. Será mesmo? (3 estrelas e meia)

Lido entre 10 e 18/10/2018. Minha avaliação: 3,5.
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Khaolinha 02/02/2023

Meu primeiro contato com o autor, gostei muito e fiquei com ainda mais vontade de ler Mulheres Apaixonadas.
O conto que eu mais gostei foi O Oficial Prussiano e o que menos gostei, não consegui me importar com qualquer personagem foi O Cigano, mas mesmo este trouxe questões que eu gostei.
Agora o que eu mais gostei no livro inteiro foi a forma absolutamente real, orgânica como o autor aborda cada assunto que ele traz.
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Rute31 11/05/2024

Encontrei esse livro por acaso no Kindle Unlimited enquanto procurava uma boa edição (leia-se: bonita) de O Amante de Lady Chatterley. Comecei a ler sem saber o que ia achar e saí dessa leitura gostando ainda mais do autor.

O livro é composto por apenas cinco contos, mas são bem longos, o último, que nomeia o livro, é quase uma novela. Achei muito interessante que o primeiro conto se chama As Filhas do Pastor e é, bem, sobre as filhas de um pastor, e o último, que se chama O Cigano (no original, o cigano e a virgem) também é sobre as filhas de um pastor. Gostei especialmente dos contos O Espinho na Carne e Oficial Prussiano, que são variações de um mesmo tema: a destruição de uma figura de autoridade — por motivações diferentes, vergonha e sexo.

Falando em sexo, eu gosto muito dos trechos sobre isso nesse livro. Tanto o que deveriam ser descrições (que na verdade não descrevem tanto) quanto a ideia dos personagens sobre o assunto. Se pensar bem, eu diria que essa é uma coletânea sobre sexo como uma dimensão humana.
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abibliotecadamica 24/09/2024

Excelente.
O cigano e outras histórias é composto de quatro contos e uma novelinha, que dá o título ao livro. No original, "O cigano e a virgem", foi a que mais gostei, embora a obra inteira seja boa.
A narrativa apresenta a família de um reitor anglicano, abandonado pela esposa, que fugiu com um rapaz mais jovem e pobre. O amargurado homem cria as duas filhas com a ajuda de sua mãe e sua irmã, duas criaturas venenosas e odiáveis. A mais jovem das filhas, Ivette, trava amizade com pessoas que não são bem vistas por sua família: uma jovem judia divorciada e rica, seu namorado pobre, e também com um grupo de ciganos acampados nos arredores da cidade. A moça, que preocupa o pai por exalar a alegria da vida e não se prender a convenções sociais, fica encantada pelo cigano, que é casado e pai de vários filhos, e logo surge um forte desejo entre eles. O cigano tratar-se de uma linda novela, cheia de eletricidade, que escancara a maestria de Lawrence em descrever a natureza complexa dos impulsos, desejos e relacionamentos humanos. O enredo é bastante dinâmico e dramático, e o final completamente inesperado. Delicioso!
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