Victor Dantas 24/08/2020
Vidas roubadas.
Memphis, sul dos Estados Unidos, ano de 1939. Rill, Camellia, Fern, Lark e Gabion são irmãos e vivem com seus pais no Arcádia, um barco, no qual eles consideram como sua moradia e o rio Mississippi como seu lar. Esta é a vida da família Foss. Só que tudo está prestes a mudar...
Quando a mãe de Rill está prestes a dar luz a seu filho, durante o parto acaba tendo umas complicações de risco a vida, e sua parteira pede para que o marido a leve para um hospital na cidade. Em meio a tais circunstâncias delicadas, Rill acaba ficando responsável por cuidar dos seus irmãos mais novos enquanto seus pais estiverem no hospital.
Sozinhos no barco, na manhã seguinte, Rill e seus irmãos são surpreendidos por uns policiais que estavam monitorando o rio. Quando os policiais avistam o barco Arcádia e percebem que as crianças estão sozinhas, perguntam onde os pais foram, Rill então conta a situação que ocorreu e avisa que logo seus pais estarão de volta. Entretanto, os policiais decidem que vão acompanhá-los até o hospital para ver seus pais, pois segundo eles, a mãe de Rill já teve o bebê e está bem.
Mesmo com um pressentimento ruim e desconfiança, Rill e seus irmãos decidem acompanhar os policiais. Ao chegarem ao destino, Rill percebe que algo está errado, pois os policiais os entregam a uma mulher, Georgia Tann, que os aguarda ansiosamente.
O lugar para onde eles são levados, a Sociedade de Orfanatos do Tennessee, deixa claro que tão cedo vão voltar a ver seus pais. Aliás, eles agora nem tem mais pais.
São órfãos. Na verdade...são mercadorias.
E estão à venda.
Do outro ponto da história, atualmente, acompanhamos a Avery, uma jovem advogada, que vive na Carolina do Sul, filha de pais políticos e que está prestes a se candidatar futuramente, além de um noivado a caminho.
Em meio a campanhas eleitorais do pai, uma dessas acaba levando Avery a um asilo para idosos, e lá ela acaba conhecendo May Crandall em uma situação bem estranha, pois, May Crandall a chamou de Fern.
Dias depois, Avery vai visitar novamente a May Crandall, intrigada pelo que aconteceu na primeira vez que a via. Na ocasião, Avery acaba vendo uma foto de May com mais duas mulheres, e tem um choque ao perceber que uma delas é a sua avó. Logo, Avery percebe que May tem alguma ligação com a sua avó, e pergunta a ela sobre a foto, só que acaba ficando no escuro, pois May não revela muita coisa em razão do seu estado de saúde mental e físico.
A partir daí, Avery acaba entrando numa jornada investigativa sobre o passado de sua avó, e qual a relação dela com May. O que ela não imagina é que mais perguntas surgiriam no caminho, enquanto a resposta está longe de ser encontrada...por enquanto.
Passado e presente estão prestes a se cruzar. Segredos estão prestes a ser revelados.
E isso pode ser doloroso.
A OBRA:
Como você leu acima, Rill e seus irmãos se tornaram mercadorias. O que era para ser uma ajuda, uma visita ao hospital para ver sua mãe, na verdade, foi um sequestro. Tiveram suas vidas roubadas da noite para o dia.
E é esse o principal tema que a autora aborda na obra, o sequestro de crianças e bebês e a comercialização destes para famílias de alto poder aquisitivo. A obra foi inspirada em fatos que ocorreram durante a década de 1920-1950 no sul dos Estados Unidos.
A Sociedade de Orfanatos do Tennessee e Georgia Tann realmente existiram, e, nas notas da autora ela relata com detalhes a respeito desse período sombrio, a repercussão e que fim teve o orfanato.
Estima-se que 500 crianças foram sequestradas e comercializadas por intermédio de Georgia Tann na época. Mesmo sendo um fato que ocorreu décadas atrás, sabemos que o tráfico de humanos, principalmente de crianças e mulheres, ainda é uma realidade.
É através do ponto de vista de Rill Foss durante a infância, que nós sabemos das situações quais as crianças eram submetidas no orfanato. Além de estarem expostas a venda, eram também vítimas de violência física, sexual e principalmente, psicológica.
Nos sentimos impotentes frente ao absurdo que é relatado nas páginas.
Em relação a narrativa da autora, o enredo e como ela aborda o tema, só tenho elogios a tecer. A escrita da Lisa é sútil, no sentido de que ela vai entregando a história aos poucos, preparando o leitor aos poucos para o clímax do livro.
A alternância entre passado e presente, bem como os pontos de vista das personagens (Rill e Avery) foi bem executada, nada que dificulte a leitura, no que se refere a articulação dos fatos.
A ambientação de livro é muito palpável e visível, a autora conseguiu criar uma aura claustrofóbica que incomoda o leitor durante todo o tempo que as crianças vivem no orfanato.
Por fim, o desfecho da história apesar de não ser o esperado, é ainda um desfecho real diante todas as circunstâncias que envolveram os personagens.
Um livro tocante, com um assunto importante. Leia.