Pedro 03/10/2021
Pelo povo em forma de arte
Nei Lopes é escritor, historiador, advogado e (principalmente) sambista, polímata de primeira e conhecedor de quase tudo que se possa imaginar sobre a cultura brasileira, seus membros ilustres e também os detentores de reputação pouco lustrosa. Dependendo de onde a pessoa o conheça, o autor tem alguma reputação diferente, mas em tudo que lhe concerne está presente a cultura popular, povoada pelos malandros, sambistas, brutamontes, donas de casa, passistas, trabalhadoras, crianças que habitam nas favelas e nos subúrbios do Rio e da Baixada Fluminense, seus lugares preferidos.
O que esse elogio esquece é a qualidade da prosa de Lopes. Abençoado com o dom de saber escrever como quem fala, o autor mistura o preciosíssimo vocabulário das Academias (a de fardão com detalhes dourados e as que desfilam todo carnaval) com o palavreado popular e debochado como se ambos fossem o mesmo. Seus adjetivos e descrições repetidas não parecem redundantes, mas vivas, como se o narrador fosse o velho que parece ter nascido antes do bairro em que sempre viveu e cuja história hoje reconta.
Talvez seja esse um dos motivos da força de Nei Lopes na história e na filosofia, e também no conto. Aberto para ver a vida nas ruas do país, seu pensamento é mais diverso, mais complexo, do que o dos intelectuais que se enfurnam em livros na esperança de ignorar o mundo real, o que lhe dá sua importância para o pensamento brasileiro. Nos contos, as histórias curtas removem o worldbuilding tão amado pelas séries de livros estrangeiras e privilegiam essa prosa tão natural, tão fluida que lhe é característica.