caio.lobo. 17/01/2023
Uma mistura de Nietzsche e Hegel com pitadas de Tantra.
"Examinai tudo. Retende o bem." O Livro da Lei eu já conhecia, mas dessa vez li sem fascinação, separando o joio do trigo, e tem sim muita coisa boa e tem também muito exagero. Observei que muito do está escrito se refere ao zeitgeist em que Crowley vivia, e a influência mais marcante e Nietzsche, pois a Lei de Thelema é a Lei do Forte e aquele que consegue fazer cumprir sua vontade é algo semelhante ao projeto do Übermensch nietzschiano; além disso, as três eras ou Aeons que Crowley cita (Aeon de Ísis, de Ósoris e de Hórus) são a cópia das "Três metamorfoses do Espírito", onde há a fase passiva do camelo (feminina de Ísis), a ativa do leão (masculina de Hórus) e a transmutadora de valores da criança (Hórus igualmente chamado de a Criança por Crowley). A linguagem violenta da maior parte do Livro da Lei é claramente nietzschiano e certamente Aiwass, o ser que ditou o livro a Crowley, devia de gostar muito de ler o Nietzsche e o seu "filosofar com o martelo".
Outra influência, essa mais estrutural e discreta, é Hegel, pois o desenvolvimento dos Aeons segue movimento histórico bastante dialético, onde o progresso e evolução ditam as leis do movimento, não em sentido ao Absoluto hegeliano, mas à "Verdadeira Vontade". O caráter bélico da obra se fundamenta nesse conflito dialético de tese e antítese, tão comum no pensamento da época de Crowley. Não por acaso que o primeiro capítulo, de Nuit, é feminino, passivo e acolhedor e de repente no segundo capítulo, de Hadit, se torna deliciosamente sanguinário, e esta dissonância é resolvida no terceiro capítulo, de Ra?Hoor?Khuit, sendo cria de ambos os anteriores.
Outra influência, mais obscura, e que mostra que em Crowley nada é novo, mas uma amálgama de muito do que sempre existiu, é o Tantra. Crowley teve contato com o Tantra quando esteve no Oriente, além de ter praticado Yoga, e é óbvio que a parte sexual foi a que mais o interessou. Por isso há a figura da mulher fornicadora, como no tantra também há, mas lá a mulher fornicadora é virgem, devidamente preparada para a penetração sagrada e a ejaculação retida por longo tempo, se tornando cheio de potência criadora, que irá semear as carnes viçosas da virgem sagrada, auxiliando o brâmane na subida de Kundalini que alcança os céus. A mulher é muito importante no Tantra, pois ela é o "veículo para a imortalidade", em dois sentidos: físico para a perpetuação da família, e espiritual para atingir a iluminação. Crowley fazia errado os ritos sexuais, pois gastava à toa seu sêmen, o que o enfraqueceu. Claro que ele desenvolveu ritos interessantes e de extrema potência espartana, como o "caminho para chupar ovos" (69), mistério completamente masculino, mas estes ritos eram mágicos e sem o teor místico do Tantra.
Enfim, Crowley era insuportável, não é possível carregar o "pacote" completo de sua filosofia e nem ele mesmo o suportou. Ele desagrada os progressistas por ser contra pacifismo, socialismo e aborto; desagrada conservadores pele seu sexo livre, anti-cristianismo e anti-liberalismo. É contra comunismo e fascismo e ao mesmo tempos e utiliza do comunismo e fascismo. Ele é asceta e promíscuo. É erudito e ignorante. Difícil de suportá-lo. E a questão do "Faz o que tu queres, há de ser tudo da Lei" não é sair fazendo tudo o que vem a mente, mas é necessário encontrar a tal da Verdadeira Vontade que sempre será diferente de nossos desejos, e fazer a Verdadeira Vontade é encontrar o moksha que fará o indivíduo seguir a Vontade suprema (parece muito com o "fazer a vontade de Deus"). Isso é um trabalho difícil, um esforço de Buda. Aleister Crowley não deve ter descoberto sua Verdadeira Vontade.