@fabio_entre.livros 19/05/2024
Segundo lugar
Em se tratando de literatura portuguesa, não tenho nenhuma dúvida quanto a meus autores favoritos: Saramago e Eça. Embora de épocas e estilos distintos, ambos compartilham de uma capacidade de observação social afiadíssima, que é ainda melhorada por um senso de humor sui generis. Já li as principais obras desses dois gigantes e, no caso do Eça, minha obra preferida era "O primo Basílio". Agora, depois de finalmente ter a chance de ler "Os Maias", posso afirmar que "Basílio" quase perdeu o posto. Quase.
Considerado quase que unanimemente como o auge da realização literária do autor, "Os Maias" é um desses clássicos monumentais (em extensão e diversidade de personagens) que narram grandes sagas familiares, aspecto em que me lembrou bastante "Guerra e paz". Como o romance de Tolstói, o de Eça apresenta um vasto panorama da aristocracia de um país e sua decadência moral em pleno século XIX, utilizando, para este fim, um grande número de personagens que vivenciam dramas que incluem desde romances arrebatadores até traições, escândalos e tragédias.
No caso de "Os Maias", acompanhamos a trajetória turbulenta de três gerações dessa ilustre família: avô, filho e neto, sendo que as duas primeiras servem basicamente como introdução para a última, representada por Carlos Eduardo, que ocupa a maior parte do livro. Temas como excessos religiosos e preconceitos já aparecem nas primeiras gerações, mas é por meio das relações de Carlos que o autor explora a fundo o "highlife" de seu tempo. Seja através da caricatura feita à futilidade na adoção de modismos estrangeiros (vide Dâmaso), seja na promiscuidade mal-disfarçada da vida conjugal (como no caso de Raquel ou da condessa de Gouvarinho), ou ainda pela teimosia de um Romantismo que se recusa a aceitar o Realismo/Naturalismo (Alencar e seu ódio à "literatura latrinária"),o que não falta na obra são temas de discussão.
Por outro lado, considero a vida amorosa de Carlos o ponto menos interessante do livro, e foi o que me impediu de elegê-lo como um favorito. Conhecendo a veia implacável do autor quando se trata de pôr ao chão ilusões românticas, eu esperava mais crueza na abordagem do tão polêmico incesto e mais moderação nos elementos novelescos (como a coincidência gigantesca que uniu e fez se apaixonarem totalmente ao acaso irmãos separados no berço e criados em países diferentes). Também esperei um final trágico que fechasse um ciclo e ligasse o destino de Carlos ao de seu pai, fazendo jus à "maldição dos Maias". O desfecho blasé para uma história de amor até então irrefreável, depois de tanta pieguice e complacência, ficou aquém das minhas expectativas.